O xeque Nimr al-Nimr depois de ser baleado pela policia saudita e ser preso.
Essa é minha coluna que publicada no O Globo no dia 13/07/2012:
A foto do xeque saudita e xiita Nimr al-Nimr que eu vi na segunda-feira me chocou: ferido, ele parecia deitado no banco traseiro de um carro, olhos fechados, com manchas de sangue no seu thobe branco, e um policial saudita apoiando a cabeça para que o seu rosto aparecesse na foto.
Logo li que ele tinha sido pego no domingo (8 de julho) numa barreira policial na cidade de Awamiya, um povoado humilde e de maioria xiita na província oriental, perto de Qatif. A captura foi violenta, quando o carro dele não parou no bloqueio. O ministério do Interior disse numa nota que pessoas no carro do xeque abriram fogo sobre a polícia e que os agentes de segurança tiveram que revidar. Na tentativa de escapar da blitz, a SUV de Nimr bateu numa viatura policial.
Líder religioso com muito espírito, Nimr sempre foi bem crítico do governo saudita, por causa da negligência percebida em relação aos quase dois milhões de xiitas numa Arábia Saudita de maioria sunita.
Ele incentivava a juventude xiita desempregada a reivindicar seus direitos. Sempre enfatizou o uso do protesto não violento. Mesmo assim foi preso em 2006. Moradores de Awamiya realizaram protestos para ele ser solto, mas em 2009 as autoridades, de novo, pediram sua prisão — depois que ele criticou o jeito de o governo reagir a confrontos entre peregrinos xiitas na mesquita do profeta Mohammed em Medina e a polícia religiosa, que implicou com os xiitas para parar de rezar no túmulo do profeta Mohammed, uma prática que os wahabitas não aceitam de jeito nenhum.
Os policiais levaram Nimr para u hospital local para tratamento do ferimento não letal na perna. O Ministério do Interior anunciou que ele ia ser interrogado e que o governo não mostraria nenhuma clemência com aqueles que provocassem tumultos, uma indicação que não pegariam leve com Nimr.
Em 2007, eu viajei para Qatif e Awamiya para escrever, com um colega, uma matéria sobre os xiitas sauditas para o “New York Times”. Lá nos encontramos com o xeque Nimr e alguns dos seus seguidores. Antes dessa reunião tínhamos nos encontrado com o xeque Hassan al-Saffar, um líder religioso da oposição que virou defensor de um engajamento com o governo. O contraste não podia ser maior: Saffar nos leu uma lista de ganhos importantes dos xiitas, tal como a libertação de prisioneiros políticos; a liberação da construção de mesquitas xiitas, e a publicação de seus livros religiosos. “A política saudita agora esta muito mais focada no reconhecimento de direitos do que antes”, disse Saffar.
E parecia verdade. Estávamos lá durante a celebração religiosa da Ashura, a data mais sagrada no calendário xiita, que celebra o martírio do imã Hussein no sétimo século. Nós vimos procissões religiosas na rua e fomos a encontros especiais em centros xiitas, sem nenhum impedimento da polícia. Em anos anteriores, as autoridades não deixaram os xiitas fazer nada disso em publico. Então, isso parecia uma minirrevolução de liberdade para todos.
Em contraste, o xeque Nimr, que parecia muito mais humilde, não mediu palavras ao criticar o governo: “As coisas aqui mudaram, não porque o governo queria mudanças, mas porque o mundo mudou. Nós vemos condições melhores não por causa do apoio do governo, mas por causa das nossas demandas. O governo não vai nos dar nada, a menos que exijamos.”
Essa relutância de trabalhar dentro do sistema foi o que diferenciou o xeque Nimr de todos os outros lideres xiitas que encontramos. Hoje, cinco anos depois, muita coisa mudou, e muita coisa está igual. Os levantes do mundo árabe começaram em dezembro de 2010 na Tunísia e atingiram o Egito, o Marrocos, o Bahrein e a Síria. O confronto entre as monarquias sunitas do Golfo e a potência xiita do Irã também se acirrou numa batalha sangrenta no Bahrein, entre os xiitas daquelailha, majoritários, e seus governantes, a família real dos Khalifa, sunita e protegida pelo seu vizinho Arábia Saudita.
Essas tensões foram sentidas na província oriental, onde a maioria dos xiitas sauditas vive, provocando manifestações semanais de jovens gritando slogans de apoio aos seus correligionários no Bahrein e atacando a família real saudita. Infelizmente também viraram violentas, com os jovens jogando coquetéis Molotov contra viaturas da polícia, e em algumas vezes atirando nas forças de segurança com armas de fogo. Nessa batalha assimétrica, a polícia tem reagido com balas, causando a morte de vários manifestantes desde o ano passado.
A verdade é que a juventude xiita sofre com os altos níveis de desemprego, e isso gera frustração e rebeldia. A demonização contínua dos xiitas por alguns sunitas também não ajuda a acalmar os ânimos entre as duas comunidades. Muitos sunitas sauditas veem os xiitas mais como aliados do Irã do que da própria pátria, o que é irônico, porque a maioria dos xiitas sauditas segue líderes espirituais xiitas do Iraque, e não do Irã.
O governo saudita tem uma chance de reverter essa situação na base do diálogo franco e aberto entre as duas comunidades. Libertar o xeque Nimr e começar um programa de ajuda econômica e social para a comunidade xiita seria um gesto de boa vontade. Com receitas recordes da venda de petróleo, os governantes sauditas têm os meios de melhorar a vida de todos os carentes, especialmente os xiitas. Se fizessem isso, avançariam no sentido de acalmar os ânimos locais e regionais, e ajudariam a retirada de uma das maiores armas que o Irã usa, agora, nas suas criticas constantes à Arábia Saudita e à família real.
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