Por Rasheed Abou-Alsamh
Saio de carro para ir ao comércio aqui perto de casa. Vou comprar suéteres para nossos cachorros e gatos, porque a temperatura a noite aqui em Brasília já baixou aos 10 graus. Com certeza o inverno chegou um pouco mais cedo este ano.
De manha eu ouvi meu namorado gargalhando. Quando perguntei por que, ele disse: “A Penny e a Nelly ficaram tão engraçadas de suéteres!”
De fato, para alguém que nunca tinha visto minhas cachorras de suéteres, poderia ser uma cena cômica. Mas os suéteres delas são bem velhos, e elas precisam de novos.
Na saída da minha casa, me deparo com sete carros estacionados na beira da chácara ao lado, e um jovem rapaz, que acaba de chegar, sai do seu carro esportivo com seus óculos de sol em mãos e jeans propositalmente rasgados em pontos estratégicos. Eu estou de máscara, e ele olha para mim rapidamente, sem piscar um olho e sem nenhum sentimento de vergonha ou culpa. Afinal, estamos no Lago Sul, o bairro mais rico da capital federal, onde tudo mundo tem dinheiro e conexões políticas. Enfim, o que mal poderia ter uma festinha com ninguém usando máscara? “Que se foda a pandemia” é a atitude prevalente, mesmo que este bairro foi o primeiro a ter uma vítima do Covid-19, trazida por uma advogada depois de voltar de uma viagem para a Europa.
Nas lojas onde eu vou, tudo mundo está usando máscara. Estas vestimentas novas dos nossos rostos, que embaçam meus óculos, e as tiras de elástico que puxam minhas orelhas para frente, viraram o novo “normal”. Um amigo meu da África do Sul, um libertário, me manda um artigo de uma revista americana da direita, dizendo que máscaras caseiras, como as minhas, são inúteis para bloquear a passagem de gotículas de saliva de pessoas infectadas com o vírus. Dias depois eu vejo um vídeo no YouTube de um médico americano que está seguindo diariamente os números de infecções e mortes pela Covid-19 no mundo inteiro. Ele mostra, usando estudos científicos, que o uso de máscaras em público, junto com o distanciamento social, diminua em DEZ vezes a chance de uma pessoa pegar o vírus.
Bem na frente da banca de revistas eu me deparo com um homem mais velho, mas com aparência de hippie, dizendo em voz alta para uma mulher que “minha irmã também é carioca e só come arroz e feijão!” Eu passo por eles e só fico ouvindo a conversa banal deles. Quando retorno para meu carro, eu finalmente vejo que o hippie esta sem máscara! O que ele está pensando?
Mas eu poderia fazer a mesma pergunta para várias pessoas que eu passo na volta para minha casa, fazendo caminhada sem máscaras. É um festival de relaxamento. Afinal eles todos parecem jovens e no auge da saúde. Mas será que eles estão vivendo num universo paralelo, onde não há o vírus da Covid-19? Onde o Brasil não é o segundo país no mundo com o maior número de infectados e mortes pelo vírus, perdendo apenas para os Estados Unidos?
Chegando em casa eu mando uma mensagem para meu namorado dizendo da festinha ao lado. “Gente sem noção!”
Pesquiso no Google para ver se tem frases prontas para mandar aos meus vizinhos tendo festas nesta pandemia, mas encontro nada. Os cachorros deles sempre escapam para a rua quando esquecem de fechar o portão deles, e ficam fazendo a festa, correndo de cima para baixo, deixando nossas cachorras roucas de tanto latir.
No início de maio quando eu estava fazendo compras no supermercado me deparei com um casal jovem, loiros, e obviamente de classe média alta. Estavam de mãos dadas em frente a secção do açougue, e sem máscaras. Eu, e todo o resto do mercado, estávamos de máscara. Na entrada da loja um funcionário tomava a temperatura de todos os clientes, e outra funcionária passava álcool nos carrinhos de compras para desinfetá-los. Não precisava ser um gênio para saber que havia uma epidemia em curso.
Na saída, parei para falar com os funcionários. “Porque vocês deixaram aquele casal entrar na loja sem máscara, quando todos nós estamos de máscara?! Não é justo.”
“Ah senhor, é porque só vamos insistir no uso da mascara a partir do dia 11 de maio. Antes disso eles podem entrar sem máscara,” me disse a funcionária.
Mais tarde depois de voltar de comprar os suéteres, ouvi muitas gargalhadas e pessoas falando alto na minha rua. Fui investigar e vi que estavam na frente da minha cerca, e sem máscaras. Liguei para a polícia militar para fazer uma queixa.
“Não podemos prender ninguém,” um policial me disse.
“Mas eles estão aglomerados na rua (via pública) e sem máscaras!” eu retornei.
“Ainda assim, não podemos fazer nada,” ele me disse.
“Vocês são inúteis!” eu disparei.
“Então fale com o governador Ibaneis para mudar a lei,” me aconselhou o policial.
Infelizmente sempre haverá aqueles imbecis na vida que se recusam a seguir as normas sanitárias básicas. O problema é que eles estão ameaçando a saúde e vida de muitas outras pessoas ao seu redor.
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