Trabalhadores palestinos num "checkpoint" israelense na Cisjordania.
Essa coluna foi publicada no O Globo de 06/01/2017:
Muitos nos EUA acreditam que há uma possibilidade de se ter um Estado palestino genuinamente independente
Por Rasheed Abou-Alsamh
Foi emocionante ouvir o discurso do secretário de Estado americano, John Kerry, no dia 28 de dezembro, quando ele disse muitas verdades sobre a necessidade de uma solução de dois Estados para o problema palestino-israelense. Apesar da incapacidade da administração de Barack Obama de recomeçar as negociações de paz entre os dois lados, foi muito bom saber que muitos nos EUA ainda acreditam que haja uma possibilidade de se ter um Estado palestino genuinamente independente e em paz com Israel.
Infelizmente, não posso dizer a mesma coisa de Israel, onde os da direita e extrema-direita estão no comando do governo de Benjamin Netanyahu. Para eles, os territórios ocupados da Cisjordânia e Gaza são territórios judeus que nunca serão dos palestinos. Esse roubo de terras palestinas, metaforicamente e na vida real com os assentamentos judaicos, não é nada novo. Somente tirou a possibilidade de termos dois Estados independentes — um a Palestina; o outro, Israel. Israelenses parecem aceitar este meio-termo de serem ocupantes da Cisjordânia, com seus colonos desfrutando de rodovias excelentes somente para seu uso, e barreiras de separação para deixar os palestinos longe do seu dia a dia.
Israelenses mais moderados e de esquerda têm se preocupado por anos com o que a ocupação e subjugação dos palestinos poderia fazer para a democracia israelense. E eles estão vendo os resultados por décadas: manifestantes palestinos mortos ou presos por soldados israelenses; pontos de verificação militares onde palestinos são obrigados a esperar em filas horas a fio, e são humilhados pelos soldados israelenses, somente para entrar em Israel para trabalhar ou voltar para a Cisjordânia. Isso sem falar nos ataques frustrados de palestinos contra soldados israelenses.
É claro que israelenses têm o direito de se defender de ataques vindos de palestinos. O problema não é esse. O problema é que, quase 69 anos depois da formação de Israel, os palestinos continuam sem ter um país próprio e são maltratados e mortos pelos israelenses. Parece-me que palestinos são vistos como uma fonte de mão de obra barata pelos israelenses, da mesma forma que os latinos são explorados nos EUA. Só que com uma diferença muito grande: os latinos têm uma chance grande de se tornarem cidadãos americanos, enquanto os palestinos nunca vão ser israelenses. Não sei como israelenses em sã consciência podem justificar uma ocupação do território palestino por quase 70 anos.
E a desgastada justificativa para continuar a ocupação — de que Israel está rodeada de inimigos árabes — hoje soa mais fraca do que nunca. Israel já tem acordos de paz com o Egito e a Jordânia. E tem relações camufladas com quase todos os países do Golfo. Em julho do ano passado, uma delegação não oficial saudita de empresários e acadêmicos visitou Israel pela primeira vez, liderada pelo ex-general saudita Anwar Eshki. O grupo se encontrou com membros do Knesset e visitou o presidente palestino Mahmoud Abbas em Ramallah. Israel e os países do Golfo têm achado muitos pontos em comum, especialmente em resistir e tentar reverter a expansão da influência iraniana no mundo árabe.
Os países árabes lançaram a Iniciativa de Paz Árabe em 2002, em que todos reconheceriam o Estado de Israel, mas somente se os israelenses se retirassem de todos os territórios ocupados e de Jerusalém Oriental, e aceitassem um acordo justo para o problema de refugiados palestinos. O governo de Ariel Sharon rejeitou a ideia, mas políticos israelenses como Ehud Olmert e até Netanhayu disseram que, em linhas gerais, apoiavam a iniciativa.
Um dos maiores opositores de um Estado palestino na Cisjordânia e Gaza é o atual ministro da Educação israelense, Naftali Bennett, líder do partido ultranacionalista Bait Yahudi. Ele disse numa entrevista recente ao jornal “Washington Post” que quer um Estado palestino na pequena Faixa de Gaza, e somente autonomia para a maior parte dos palestinos que vivem na Cisjordânia. E quer efetivamente anexar os assentamentos israelenses na Cisjordânia, um ato que transgrediria várias resoluções das Nações Unidas. Isso para mim somente manteria a ocupação, porque a Faixa de Gaza é muito pequena e não poderia sobreviver sozinha.
Um Estado palestino independente na Cisjordânia e em Gaza, com Jerusalém Oriental como a sua capital, é o que todos os palestinos e árabes querem. Se tivessem isso, e os palestinos não vivessem embaixo da opressão israelita, os ataques contra israelenses cairiam dramaticamente.
Talvez a ênfase nas negociações de paz entre Israel e os palestinos tenha sido demasiadamente centrada nos governantes dos dois lados, e não nos povos em si. Infelizmente, são as declarações bombásticas destes governantes que ganham as manchetes e envenenam a atmosfera de todos. O presidente eleito Donald Trump disse que vai nomear o linha-dura David Friedman para embaixador americano em Israel. Friedman já disse que Jerusalém é a capital indivisa de Israel para sempre, e classificou os judeus americanos progressistas como piores que os nazistas por defenderem uma solução de dois Estados para o conflito israelense-palestino.
Não podemos esperar mais 70 anos para termos uma Palestina livre e independente. E israelenses não podem continuar uma ocupação brutal, que põe em xeque o caráter democrata e progressista da nação, que foi o ideal dos seus fundadores.
Leia mais sobre esse assunto em http://oglobo.globo.com/opiniao/verdades-sobre-israelenses-palestinos-20734839#ixzz4VrEle2ws
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