Bongbong Marcos
Esta coluna foi publicada no O Globo de 13 de maio, 2016:
Por Rasheed Abou-Alsamh
Como na ditadura no Brasil, mais de 300 mil filipinos foram presos e torturados e muitos mortos por se opor ao regime
As eleições nacionais nas Filipinas, que ocorreram na segunda-feira, estão produzindo resultados surpreendentes. Na corrida presidencial, Rodrigo Duterte — prefeito da cidade de Davao e um político com uma boca suja como a de Donald Trump — venceu a corrida com 15.709.136 votos, contra os 9.663.869 do senador Mar Roxas, candidato da situação.
Mas é na corrida para a Vice-Presidência que a disputa ficou bem apertada. Com mais de 90% dos votos apurados, o senador Bongbong Marcos, filho do ex-ditador Ferdinand Marcos, estava liderando. Mas, no dia 10, foi surpreendido com a ultrapassagem da congressista Leni Robredo. No momento em que escrevo, Robredo lidera com 13.968.884 votos contra os 13.738.585 do Marcos, ou seja, uma diferença de apenas 230.299 votos. Ainda faltava a contagem dos mais de 400 mil votos dos filipinos que trabalham no exterior, e há muitos eleitores de Marcos entre eles.
Para um observador casual de fora do país, pode parecer que a família Marcos se reaproxima do poder apenas agora. Mas, na realidade, isso já vem acontecendo há muitos anos. O pai de Bongbong, Ferdinand Marcos, era um advogado inteligente e carismático do norte do país, que foi eleito deputado federal em 1949 e depois reeleito três vezes. Em 1959, foi eleito para o Senado; em 1965, presidente das Filipinas. Em 1954, ele se casou com Imelda Romualdez, uma miss e cantora de Tacloban, que conquistou Marcos com sua beleza e voz encantadora. Foi ela, com sua ambição espantosa, que levou seu marido a roubar bilhões do país durante seus 21 anos no poder.
Em setembro de 1972, Ferdinand decretou lei marcial, suspendendo a Constituição, fechando o Congresso, cassando os mandatos dos seus inimigos políticos e se apropriando de negócios lucrativos, para si mesmo e seus aliados. A Philippine Airlines, a rede de televisão ABS-CBN, a companhia elétrica de Manila e a empresa de telefonia PLDT foram todas sequestradas por Marcos e seus amigos próximos. Para esconder a roubalheira, Marcos botou muitas dessas empresas em nome de laranjas.
Como na ditadura militar aqui no Brasil, mais de 300 mil filipinos foram presos e torturados e muitos desses mortos por se opor ao regime. A Revolução do Poder do Povo, em 1986, acabou com a ditadura de Marcos, e a família inteira fugiu para o Havaí.
Bongbong foi o primeiro da família a voltar ao país, em 1991, e se elegeu deputado federal. Ele já tinha sido vice-governador e governador da província de Ilocos Norte durante a ditadura. Então, voltar para a política foi fácil. A mãe dele, Imelda, logo depois também retornou ao país e foi eleita deputada federal. Bongbong chegou ao Senado em 2010.
Eleições nas Filipinas são uma ocasião de alegria para a população, porque os candidatos à Presidência e ao Senado viajam o pais inteiro, distribuindo presentes e comida. Comícios são sempre motivo para festa. Os filipinos adoram cantar e dançar. Então, artistas famosos são contratados, e os próprios candidatos dançam e cantam no esforço de ganhar mais votos.
Na corrupção maciça do casal Marcos, estima-se que ambos roubaram um total de US$ 10 bilhões. Os governos democráticos seguintes conseguiram recuperar apenas uma fração pequena da riqueza saqueada. Apesar disso, sempre houve uma base muito sólida de eleitores da família na população. Essas pessoas acham que os Marcos fizeram muitas coisas boas para as Filipinas e seu povo, construindo muito da infraestrutura moderna que o país tem hoje.
Para aumentar o horror dos críticos da família Marcos, a nova geração de eleitores, aquela que nasceu depois da ditadura, na maioria não tem uma visão negativa dos Marcos. Acreditam que Ferdinand fez muito bem ao país ao dirigi-lo com mão de ferro. Por isso, um grupo chamado Campanha Contra o Retorno dos Marcos para Malacañang (o palácio presidencial) recentemente produziu um vídeo dramático em que jovens eleitores foram filmados falando do que pensavam dos anos da ditadura na frente de pessoas que foram torturadas e violentadas pelo regime. Quando estas vítimas revelam o que aconteceu com eles, os jovens ficam espantados e alguns até choram.
Bongbong já disse que não sabe onde os bilhões de dólares que seus pais roubaram estão escondidos. Eu duvido muito disso. Mas, numa nação que esquece muito rapidamente, talvez o único jeito para seguir em frente é fingir acreditar nele.
Apesar de ter uma economia que tem crescido de 5% a 6% a cada ano nos últimos cinco anos, as Filipinas ainda têm um dos PIBs per capita mais baixos da Ásia. E a disparidade entre os ricos e pobres continua enorme.
Leia mais sobre esse assunto em http://oglobo.globo.com/opiniao/um-marcos-na-briga-pelo-poder-nas-filipinas-19296940#ixzz48pTd97sk
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