Dr Amal Bader al-Deen no consultório dela em Riad. (Foto por Rasheed Abou-Alsamh)
Esta coluna foi publicada no O Globo de 11 de dezembro, 2015:
Por Rasheed Abou-Alsamh
Será a primeira vez que elas vão poder votar em eleições municipais etambém ser candidatas a uma vaga nos conselhos
A clínica pediátrica da doutora Amal Bader al-Deen fica num bairro de classe média da capital saudita, Riad. Ela já tem mais de seis décadas de vida e foi uma das primeiras mulheres do país a se formar médica no exterior, nos anos 1970, estudando na Áustria. Hoje, ainda atende seus pequenos pacientes na pacata clínica, com áreas de espera decoradas com papel de parede florido, separadas para mulheres e homens. Mas ela também é uma das quase mil candidatas a um lugar nos conselhos municipais do país inteiro nas eleições de amanhã.
Será a primeira vez que as sauditas poderão votar em eleições municipais e também ser candidatas a uma vaga num dos 284 conselhos municipais do país, com dois terços, ou 2.106 lugares, eleitos diretamente por mais de 1,35 milhão de sauditas, a maioria homens. Segundo dados do Ministério de Assuntos Municipais e Rurais, encarregado de organizar as eleições, 1,35 milhão de homens se registraram para as eleições, e somente 130.637 mulheres se inscreveram como eleitoras. O resto de um terço das vagas nos conselhos vai ser preenchida por nomeações do governo. Votar não é obrigatório na Arábia Saudita, o que ajuda a entender o porquê dos números tão baixos de eleitores.
“Cada passo que dei na minha vida eu considero uma grande vitória,” disse-me Bader al-Deen numa entrevista na sua clínica em novembro, quando estive em Riad. “Eu vejo isso nos meus netos. Cada passo à frente que dermos, é uma vitória. Nós, mulheres sauditas, temos a liberdade desde o berço. O mundo nos vê como uma sociedade fechada, mas nós somos mais abertos do que as pessoas pensam.”
Ela sabe dirigir automóveis e apoia a campanha para legalizar o direito de mulheres fazerem o mesmo. O reino é o único país no mundo onde mulheres ainda não podem dirigir carros. Mas a médica também apoia o modo meio lento de os governantes trazerem mudanças para essa sociedade conservadora. “Eu respeito o jeito do nosso país ir gradualmente para frente. Não se pode puxar coisas rapidamente demais. Mas temos muitas mulheres trabalhando em hospitais, até no Conselho de Shoura, e quantas milhares de mulheres estão se formando todo ano nas universidades?”, diz Bader al-Deen.
Nestes 12 dias de campanha eleitoral, todos os candidatos, homens e mulheres, foram proibidos de botar as suas fotos em cartazes ou propagandas. Isso, com certeza, foi uma decisão do governo para não entrar num debate furioso com os ultraconservadores, que nunca iam aceitar ver os rostos das candidatas em cartazes nas ruas do país. Bader al-Deen disse que não era importante mostrar o rosto dela: “Eu não quero atrair pessoas com minha cara. Eu quero atrair eleitores com a minha mente.”
Na sua campanha, a médica se preocupa mais com o descuido dos velhos, o abandono das mulheres divorciadas e a juventude que fica à deriva, sem ter algo construtivo para fazer quando não está estudando. “Os jovens precisam de centros de recreação educativos. Temos de achar meios de torná-los mais criativos e estabelecer pequenos laboratórios para eles,” disse Bader al-Deen. “E não podemos largar nossos idosos na frente de TVs e computadores. Nós precisamos de muito mais bibliotecas públicas para estimular as mentes dos jovens e mais velhos.”
Na semana passada, o jornal “Al-Riyadh” anunciou que mulheres divorciadas ou viúvas iam ganhar cartas de família, uma forma de identidade que vai deixá-las agir independentemente no âmbito legal, matriculando seus filhos em escolas, viajando para fora do país e marcando cirurgias sem precisar da aprovação de um guardião masculino. Essa mudança na legislação aconteceu depois que mulheres integrantes do Shoura puseram a questão em pauta e o Corpo Legal, que é a versão saudita de um parlamento, aprovou a mudança. Essa nova lei foi enviada para o Ministério do Interior, que acatou a decisão do Shoura. Este talvez foi um dos mais importantes avanços nos direitos das mulheres sauditas em muitos anos.
Como se vê com esses exemplos, a situação das sauditas está melhorando a cada dia, e a maioria delas não está ficando parada e se lamentando. Elas estão se mexendo, estudando em grande número e também trabalhando fora de casa. Isso está mudando o país, trazendo a sociedade saudita para fora da névoa do seu conservadorismo em direção ao século 21. Estou muito curioso para ver quais e quantas vão ser eleitas. Com certeza, a Arábia Saudita está mudando, e para melhor.
Leia mais sobre esse assunto em http://oglobo.globo.com/opiniao/mulheres-sauditas-avancam-devagarinho-18268442#ixzz3vphPKe00
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