Tropas iranianas desfilam.
Esta coluna foi publicada no O Globo de 22/01/2016:
Por Rasheed Abou-Alsamh
Somente na Síria estima-se que o governo iraniano tem gastado bilhões de dólares em apoio ao governo de Assad
O levantamento de quase todas as sanções econômicas contra o Irã na semana passada foi celebrado no mundo inteiro como uma vitória das diplomacias americana e europeia. Uma vitória porque o Irã aceitou a exigência de diminuir seu programa de energia nuclear e se comprometeu a não mais tentar desenvolver armas nucleares.
De Washington a Paris e Moscou, lideres políticos se autoelogiaram como salvadores da paz mundial por terem conseguido que os iranianos aceitassem suas demandas e assinassem o acordo. Só que deixaram de fora do documento uma parte enorme do que causa a maioria das tensões no Oriente Médio: a insistente intromissão iraniana nos assuntos internos de vários países árabes. Os americanos admitem essa falha, mas insistem que não poderiam incluir isso no acordo por causa das objeções do Irã.
Com o levantamento das sanções, estima-se que o Irã terá acesso a US$ 100 bilhões, do seu próprio dinheiro, que estavam congelados em contas bancarias no exterior há anos. Isso vai deixar o país com mais recursos para continuar suas intromissões no mundo árabe. Do Iraque ao Líbano, à Síria e até no Iêmen, o dedo dos iranianos esta lá, armando e dando apoio econômico e político ao governo iraquiano e suas milícias xiitas, ao Hezbollah, ao governo do ditador Bashar al-Assad e aos rebeldes houthis.
Somente na Síria estima-se que o governo iraniano tem injetado bilhões de dólares em apoio ao governo de Assad, e que até três mil soldados das Forças Revolucionárias estejam lutando lá contra os rebeldes sírios.
Num artigo no “New York Times” esta semana, o ministro de Relações Exteriores saudita, Adel Al-Jubeir, insistiu que a Arábia Saudita e seus aliados do Golfo continuarão a resistir à expansão iraniana na região e responderão com força aos atos de agressão do Irã.
“O comportamento do governo iraniano tem sido consistente desde a Revolução de 1979”, escreveu Al-Jubeir. “A Constituição que o Irã adotou cita o objetivo de exportar a revolução. Como consequência, o Irã tem apoiado grupos extremistas violentos ao redor do mundo, incluindo o Hezbollah no Líbano, os houthis no Iêmen e milícias sectárias no Iraque. (...) Está claro porque o Irã quer que Bashar al-Assad permaneça no poder: no seu relatório de 2014 sobre o terrorismo, o Departamento de Estado americano escreveu que o Irã considera a Síria uma ponte fundamental para a rota de abastecimento de armas para o Hezbollah”, ele acrescentou.
O cinismo em relação ao que o acordo com o Irã significa ecoou em muitos analistas sauditas. “O Khamenei (o líder religioso do Irã) trocou uma bomba que ele não tinha por um documento que dá carta branca aos guardas revolucionários na região e destituiu o P5+1 de qualquer influência sobre o Irã,” disse Mohammed Alyahya ao jornal britânico “The Guardian”.
“Riad decidiu não deixar o Irã se colocar como protetor dos xiitas do mundo árabe como vem fazendo desde 1979,” escreveu o professor Abdulkhaleq Abdulla, dos Emirados Árabes, no jornal “Gulf News”. “Eles (os sauditas) estão fartos do bullying iraniano, e verdadeiramente se sentem alvejados tanto por Teerã quanto pelo Estado Islâmico.”
E os próprios iranianos já estão admitindo que, com o fim das sanções econômicas, o país terá mais dinheiro disponível para ajudar aliados na região. Um oficial de segurança iraniano disse à agencia de notícias Reuters que o financiamento à Guarda Revolucionaria e seu braço internacional, a Força Quds, ia aumentar.
“Está claro que nossos líderes não irão hesitar em alocar mais fundos para a Guarda Revolucionaria quando for preciso. Mais dinheiro (disponível) quer dizer mais fundos para a Guarda,” disse outro oficial iraniano à Reuters.
É interessante e triste notar que os dois rivais — um, a potência sunita; outro, a potência xiita — não admitam suas próprias falhas. Os iranianos ignoram as centenas de milhares de sírios mortos e refugiados devido à guerra civil. Os sauditas também não falam muito dos milhares de iemenitas mortos e feridos na guerra civil no Iêmen.
A Arábia Saudita está vendo uma nova liderança mais agressiva no rei Salman bin Abdulaziz, que assumiu o trono em janeiro de 2015, e no seu filho Mohammad bin Salman, que é o vice-príncipe herdeiro e ministro da Defesa. A intervenção militar no Iêmen, liderada pelos sauditas para conter o avanço dos rebeldes houthis, já dura mais de dez meses, e os governantes sauditas não mostram nenhum sinal de se retirar do conflito. No âmbito interno, reagindo ao preço baixíssimo de petróleo no mercado internacional, o governo saudita aumentou o preço da gasolina na bomba em dezembro 2015 e, logo depois, também aumentou as tarifas de energia elétrica e de água. Além disso, o príncipe Mohammed disse numa entrevista à revista “The Economist” que o governo está cogitando pela primeira vez vender ações da Saudi Aramco, a estatal que produz o petróleo saudita. A Aramco se diz a empresa mais valiosa do mundo, avaliada em uns US$ 10 trilhões.
Esse novo jogo duro dos sauditas não vai deixar os iranianos continuarem a se apresentarem ao mundo como os inocentes da região. Estima-se que no ano passado o Irã tenha executado mil pessoas acusadas de vários crimes. Isso é muito mais do que os 150 que teriam sido executados pelos sauditas no mesmo ano.
De fora, o Irã pode parecer um país mais progressista do que a Arábia Saudita; mas, por trás, os aiatolás ainda detêm o poder de fato. E é no Irã onde ainda se grita “Morte aos EUA! Os Estados Unidos são o Grande Satanás!”, e não na Arábia Saudita.
Leia mais sobre esse assunto em http://oglobo.globo.com/opiniao/ira-ganha-mais-poder-de-intervencao
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