O Brasil insiste que não reconhecerá o Conselho Nacional de Transição na Líbia antes que o Comitê de Credenciais da Assembleia Geral das Nações Unidas vote sobre o assunto no final de Setembro em Nova Iorque. “O Brasil reconhece Estados, não governos”, declarou na semana passada o Ministro das Relações Exteriores Antônio Patriota em uma conferência de imprensa amplamente noticiada na mídia brasileira.
Isto a despeito do fato de que o embaixador da Líbia no Brasil, Salem al-Zubeidy, outrora ferrenho aliado de Gaddafi, tenha declarado sua adesão ao CNT no dia de 26 de Agosto, afirmando que o apoio aos rebeldes correspondia à vontade do povo líbio. Um diplomata pró-rebeldes na embaixada em Brasília disse ao jornal Folha de São Paulo não acreditar na sinceridade do embaixador, chamando-o de vira-casaca. “Há seis meses atrás nós éramos ‘ratos’ e ‘Al Qaeda’. Agora ele fala que é pró-Conselho?”, afirmou Adel Swizy.
Há algumas semanas atrás, diplomatas e cidadãos líbios que apoiam os rebeldes tomaram a embaixada da Líbia na elegante vizinhança do Lago Sul, em Brasília, após lutas com o filho do embaixador e diplomatas pró-Gaddafi que terminaram com um nariz sangrando. Zubeidy solicitou assistência ao governo brasileiro, e o Itamaraty enviou seis membros da polícia diplomática. Estes buscaram negociar um acordo, mas os líbios pró-rebeldes insistiram em permanecer na casa em que a embaixada opera, onde haviam hasteado a bandeira rebelde. O embaixador foi forçado a trabalhar de sua residência.
Numa última tentativa de apoiar o regime de Gaddafi, al-Zubeidy patrocinou a viagem de uma delegação de políticos, jornalistas e advogados brasileiros de esquerda a uma Líbia devastada pela guerra, para que estes observassem a guerra civil em primeira mão. Ele tomou tal iniciativa a despeito do fato de que a embaixada está lutando para pagar os salários de seus empregados brasileiros – os fundos pararam de chegar de Trípoli após a imposição de sanções financeiras a Gaddafi e seu governo. De todo modo, a delegação nunca chegou à Líbia, tendo sido parada na fronteira com a Tunísia e alertada pela OTAN de que não era seguro entrar no país.
Muitos brasileiros criticaram o governo por sua relutância em reconhecer imediatamente o movimento de rebeldes na Líbia, acentuando que a Presidenta Dilma Rousseff havia indicado que colocaria grande ênfase sobre os direitos humanos na política externa brasileira. “Esta política é excessivamente cautelosa”, disse David Fleischer, professor emérito de Ciência Política na Universidade de Brasília, em uma entrevista ao Tehran Bureau. “O embaixador líbio no Brasil mudou de lado. Não sabemos se o Itamaraty manterá ou não suas credenciais. O Conselho de Segurança da ONU já autorizou a transferência, para o novo governo líbio, de fundos governamentais de Gadaffi que estavam congelados em bancos ingleses. À luz desse fato, muitos governos reconheceram o Conselho Nacional de Transição. O Itamaraty deveria rever rapidamente sua política, ao invés de esperar a decisão da Assembleia Geral da ONU em relação à representação da Líbia na organização”.
O governo brasileiro fez esforços para conversar com os rebeldes líbios, enviando o embaixador brasileiro no Egito, Cesário Melantonio Neto, a Benghazi no dia 31 de julho. De acordo com a Folha, ele foi friamente recebido pela liderança rebelde em função do suposto apoio do governo brasileiro ao regime de Gaddafi e do fato de que o Brasil não apoiou a resolução da Organização das Nações Unidas autorizando ataques aéreos e foi o último governo no Ocidente a retirar seu embaixador de Trípoli em abril. Mas os rebeldes asseguraram o Brasil de que seus atuais interesses econômicos no país não seriam prejudicados.
A gigante empresa petrolífera Petrobrás possui uma concessão para a prospecção de petróleo na costa da Líbia, e três companhias brasileiras de construção - Odebrecht, Queiroz Galvão e Andrade Gutierrez - estão construindo um novo terminal no Aeroporto Internacional de Trípoli e um anel viário em torno da capital, entre outros projetos. Somente a Odebrecht possui, na Líbia, contratos de cerca de 2.3 bilhões de euros. Todas as quatro companhias deixaram a Líbia quando a luta mais intensa começou, mas é incerto se ganharão novos contratos quando os rebeldes consolidarem seu controle sobre todo o país.
“Não temos nenhum problema com os ocidentais, como os italianos, os franceses e os ingleses. Mas poderemos ter alguns problemas políticos com a Rússia, a China e o Brasil”, disse à Reuters Abdeljalil Mayouf, porta-voz de uma companhia petroleira na Líbia.
“Esse é o verdadeiro problema para o Brasil”, disse Fleischer. “Alguns líderes do Conselho Nacional de Transição sugeriram que o Brasil será ‘punido’ pelo que eles consideram ‘mau comportamento’ e que os interesses comerciais do Brasil serão prejudicados. As firmas brasileiras de construção tinham algo em torno de 5 bilhões de dólares em projetos correntes na Líbia quando foram forçadas a retirar-se. Líderes do CNT afirmaram que ‘todos os contratos de Gaddafi serão honrados’, mas e quanto aos novos contratos? Boa parte da infraestrutura da Líbia foi destruída e terá de ser reconstruída por meio de novos contratos, e talvez as firmas brasileiras não sejam capazes de competir por estas”.
A política externa brasileira deu uma guinada à esquerda sob a presidência de Luiz Inácio Lula da Silva, de 2002 a 2010. A nova orientação estava frequentemente em descompasso com a política externa dos Estados Unidos e mais próxima de nações não alinhadas como a Índia e a China. O presidente Lula, em particular, desenvolveu relações bastante amigáveis com o presidente iraniano Mahmoud Ahmadinejad, visitando o Irã e recebendo, em troca, o presidente iraniano em Brasília em 2010.
Como parte da política externa mais ativista do Brasil durante o governo Lula, o país tornou-se intimamente envolvido nas negociações sobre energia nuclear entre o regime iraniano e o Ocidente, conseguindo manejar com a Turquia um mecanismo de troca de urânio enriquecido no final de 2010. Este foi decididamente rejeitado pelos Estados Unidos, o que trouxe suas relações com o Brasil ao seu nível mais baixo em algum tempo.
Ironicamente, a Turquia agora sugere que poderá apoiar uma intervenção armada na Síria para defender os ativistas antigoverno que vêm sendo brutalmente reprimidos e assassinados pelo regime de Bashar al Assad, continuamente apoiado pelo Irã. Falta saber se o Brasil, como membro não permanente do Conselho de Segurança da ONU, irá abster-se uma vez mais caso venha a ser votada uma resolução autorizando uma intervenção armada pela comunidade internacional na Síria.
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