O presidente americano Donald Trump em Helsinque com o presidente russo Vladimir Putin.
Por Rasheed Abou-Alsamh
20/07/2018
A presidência de Donald Trump em 2018 está se tornando uma das piores dos últimos 50 anos da história americana. Somente o presidente republicano Richard Nixon (1969-1974) foi pior, com o escândalo Watergate, no qual ordenou a entrada à força nos escritórios do Partido Democrata para roubar informações sigilosas. Nixon renunciou sob vergonha em 1974, depois que o Congresso americano tinha começado um processo de impeachment contra ele.
A declaração bombástica de Trump nesta segunda-feira na reunião de cúpula com o presidente russo, Vladimir Putin, em Helsinque — de que ele não tinha motivo para acreditar que a Rússia tenha interferido nas eleições americanas de 2016 — deixou o mundo de queixo caído. Putin ficou o tempo inteiro com aquele sorriso afetado, meio amarelado, de alguém que está gostando de ver a outra pessoa se humilhar. Neste caso, foi Trump, que, na sua urgência de agradar a Putin, puxou o tapete de todas as agências americanas de Inteligência. Quase não dava para crer. Trump disse que acreditava na negativa de Putin, alegando que a Rússia não tinha interferido nas eleições de 2016.
Como de hábito, Trump teve que ressaltar que vencera a candidata democrata Hillary Clinton na eleição de 2016 no Colégio Eleitoral. O que ele não disse foi que Hillary ganhou no voto popular.
A reação política nos EUA foi rápida e devastadora, vinda de políticos dos dois maiores partidos. O senador republicano John McCain disse: “A coletiva de imprensa de hoje em Helsinque foi uma das apresentações mais vergonhosas de um presidente americano na memória. O dano infligido pela ingenuidade do presidente Trump, egoísmo, falsa equivalência e simpatia pelos autocratas é difícil de calcular. Mas está claro que a cúpula de Helsinque foi um erro trágico. O presidente Trump se mostrou não apenas incapaz, mas sem vontade de resistir a Putin. Ele e Putin pareciam estar seguindo o mesmo roteiro, porque o presidente fez uma escolha consciente para defender um tirano contra as justas perguntas de uma imprensa livre, e para conceder a Putin uma plataforma incontestável para espalhar propaganda e mentiras para o mundo”, disse o senador em nota.
O líder da minoria democrata no Senado, Chuck Schumer, afirmou que Trump deveria depor ao procurador especial Robert Mueller sobre o que ele discutira com Putin em Helsinque. Mueller está investigando uma possível interferência russa nas eleições americanas, e o possível envolvimento de integrantes do governo Trump. No dia 13 de julho, Mueller acusou formalmente 12 agentes da Inteligência russa de hackear organizações ligadas à campanha eleitoral de Hillary.
“Em toda a história do nosso país, americanos nunca viram um presidente apoiar um adversário do jeito que Trump tem apoiado Putin,” escreveu Schumer na sua conta do Twitter. “Uma única e sinistra questão agora paira sobre a Casa Branca: o que poderia levar o @realDonaldTrump a pôr os interesses da Rússia acima dos Estados Unidos?”
Muitos comentaristas americanos têm especulado que Putin tem provas constrangedoras contra Trump e que, por isso, o presidente americano é tão amigável com o russo.
A revolta com o que Trump disse na segunda-feira pôs muita pressão sobre o presidente, e ele teve que dar uma meia-volta na terça-feira, dizendo que se expressou mal e que tem total confiança nas agências de Inteligência americanas. Na coletiva de imprensa em Helsinque, Trump disse: “Está aqui o presidente Putin. Ele disse que não foi a Rússia: não vejo por que seria.” Na terça-feira, na Casa Branca, em Washington, Trump retificou: “Quando falei sobre a investigação, disse que não via motivos para acreditar que ‘tivesse sido a Rússia’, mas, na verdade, queria dizer que não havia motivos para acreditar que ‘não tivesse sido a Rússia’. Achei que era uma dupla negativa óbvia, mas não era o caso. Aceito a conclusão de nossa Inteligência de que houve interferência russa, e estamos fazendo tudo o que podemos para evitar que isso aconteça novamente.”
O ex-diretor da Agência Americana de Inteligência (CIA) John Brennan advertiu na terça-feira que a comunidade americana de Inteligência poderá começar a esconder informações sigilosas de Trump, por medo do que o presidente falou em particular com Putin em Helsinque. “Eu ainda não entendo por que ele não confiou em ter John Bolton e Mike Pompeo naquele encontro,” disse Brennan, referindo-se ao conselheiro de Segurança e ao secretário de Estado.
O problema de Trump é que ele age como se fosse uma criança mimada. Sempre quer ser o centro das atenções e, ao cometer um erro, fica zangado quando as pessoas o criticam.
O outro problema sério de Trump é com a língua inglesa. O inglês é sua língua nativa, mas muitas vezes não parece, de tão mal que ele fala em público e escreve no Twitter. O colunista veterano conservador George Will escreveu esta semana no “Washington Post” que Trump não fala claramente: “Precisão não faz parte do repertorio de Trump. Ele fala inglês como se fosse sua segunda língua, que ele aprendeu com alguém que aprendeu inglês na semana passada. Então, geralmente é difícil decifrar significados das saladas de palavras de Trump. Mas em Helsinque ele foi, para si próprio, claro como cristal, sem se sentir no dever de ser fiel às instituições de Inteligência que trabalham sob sua direção e o comando de líderes que ele escolheu.”
O ex-diretor da CIA Brennan disse que o que Trump falou em Helsinque “não foi nada menos do que traição à pátria.” Eu concordo. A defesa de praxe dos republicanos — de que Trump comete muitos erros por não ser um político de carreira — não cola. Dizer claramente ao lado de Putin que acredita na declaração de inocência do líder russo, mesmo quando todas as agencias de Inteligência do seu país dizem o contrário, é alta traição para mim. Não há duas maneiras de ver a questão.
Leia mais: https://oglobo.globo.com/opiniao/trump-traiu-inteligencia-americana-22902685#ixzz5MCXZSPf0
Comments
Leave a comment