Cortesia do Palestinian Academic Society for the Study of International Affairs em Jerusalem.
Esta coluna foi publicada no O Globo de 19/01/2018:
Por Rasheed Abou-Alsamh
O governo de direita do primeiro-ministro Benjamin Netanyahu está criando obstáculos para um acordo de paz
O presidente americano Donald Trump ameaçou cortar a ajuda financeira americana aos palestinos numa mensagem no Twitter no dia 2 de janeiro: “Nós pagamos para os palestinos milhões de dólares por ano e não recebemos reconhecimento e nem respeito. Por que devemos fazer alguns desses vultosos pagamentos futuros aos palestinos não dispostos a falar em paz?”
Esta semana, Trump cumpriu sua ameaça de cortar a ajuda aos palestinos: o Departamento de Estado anunciou dia 16 de janeiro que estava retendo US$ 65 milhões de um pacote de US$ 125 milhões destinados à Agencia das Nações Unidas de Assistência aos Refugiados da Palestina (UNRWA, na sigla em inglês). Os EUA são o maior contribuinte para o orçamento anual da UNRWA, dando um total de US$ 368,4 milhões em 2016, de acordo a organização. Em segundo lugar, vem a União Europeia, com US$ 159,7 milhões, e a Arábia Saudita em terceiro, com US$ 148 milhões. O Brasil ficou na 25ª colocação, com uma contribuição de US$ 1,7 milhão.
A UNRWA foi criada por uma resolução da ONU em dezembro de 1949, para lidar com o mar de refugiados saindo da Palestina depois que Israel foi criado, em 1948. Foram milhões obrigados a se deslocar para a Jordânia, o Líbano e a Síria. Nesses países, eles foram abrigados em tendas dentro de campos para refugiados. É claro que, quase 70 anos depois desta catástrofe, a maioria deles já deixou as tendas para trás e agora mora em casas de alvenaria. Mas estes campos viraram favelas urbanas, com becos estreitos.
Hoje, há 7,2 milhões de refugiados palestinos no mundo inteiro, sendo mais de 4,3 milhões cadastrados na UNRWA para receber ajuda humanitária. São mais de dois milhões de refugiados registrados na Jordânia, que moram em dez campos; 560 mil na Síria; e 450 mil no Líbano, espalhados em 12 acampamentos.
E foi para estes campos de refugiados que a UNRWA se dirigiu para dar educação, comida, atendimento médico e até empréstimos para a criação de microempresas. Hoje, a entidade da ONU é responsável por dar educação a 500.698 estudantes palestinos; providencia atendimento médico para 3,1 milhões de refugiados, e concedeu 398.154 empréstimos a microempreendedores. A UNRWA ajuda um total de mais de cinco milhões de palestinos. Sem este apoio essencial, a vida dos refugiados palestinos vai virar um inferno de necessidade e doenças.
O secretário-geral da ONU, António Guterres, lamentou a decisão americano, alertando que, se a agência não puder fornecer serviços vitais e suporte de emergência, haverá “um problema muito sério”. “Na minha opinião”, disse ele no dia 16, “a UNRWA é um importante fator de estabilidade”.
Hanan Ashrawi, uma importante integrante da Organização para a Libertação da Palestina, declarou que a administração de Trump estava “alvejando o segmento mais vulnerável do povo palestino e privando os refugiados do direito à educação, à saúde, ao abrigo e a uma vida digna”. Ela alertou para o fato de que os EUA estão criando condições que vão gerar mais instabilidade em toda a região.
O governo de direita do primeiro-ministro israelense Benjamin Netanyahu também está criando obstáculos para um acordo de paz entre os palestinos e israelenses. No início de janeiro, declarou que dirigentes de 20 ONGs estrangeiras envolvidos no movimento de boicote a Israel chamado de BDS (Boicote, Desinvestimento e Sanções) estavam proibidos de entrar no país. Nesta lista está o grupo americano judeu liberal Jewish Voice for Peace (JVP ou Voz Judia para a Paz), que tem 13 mil membros, e o grupo americano American Friends Service Committee (AFSC), formado por quakers. A AFSC ganhou o Prêmio Nobel da Paz em 1947 e está ativa na Palestina há muitas décadas, dando ajuda aos palestinos. Fundou uma escola famosa em Ramallah, na Cisjordânia.
“Como alguém com uma parte considerável da família em Israel, digo que esta política será uma dificuldade pessoal. Mas também estou entusiasmada com este indicador da crescente força do movimento BDS e espero que ele torne mais próximo justamente o dia em que, como eu vou visitar meus amigos e familiares em Israel, amigos e colegas palestinos poderão também voltar para casa”, escreveu na internet Rebecca Vilkomerson, diretora-executiva do JVP.
Mais preocupante foi a declaração esta semana do Conselho Central da OLP dizendo que o período de transição estipulado nos acordos assinados em Oslo, Cairo e Washington, com suas obrigações, não existe mais. De acordo com a agência de notícias palestina Wafa, “o Comitê Executivo da Organização para a Libertação da Palestina foi chamado a suspender o reconhecimento de Israel até que este reconheça o Estado da Palestina com as fronteiras de 1967, revogue a decisão de anexar Jerusalém Oriental e suspenda os assentamentos”. Ainda mais preocupante, “o Conselho Central renovou a sua decisão de interromper a cooperação da segurança com Israel sob todas as suas formas”.
Até agora, não li outras reportagens sobre a suspensão de cooperação na segurança entre a OLP e Israel. Mas isso é um presságio de dias mais difíceis à frente. Os EUA têm que restaurar os US$ 65 milhões destinados à UNRWA. Os refugiados palestinos não merecem sofrer por causa das birras de um presidente americano que não entende o Oriente Médio.
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