Um avião militar saudita de carga no aeroporto de Áden no Iêmen.
Publicado no O Globo no dia 07 de agosto, 2015:
Por Rasheed Abou-Alsamh
A escassez do óleo diesel agrava a seca, porque ele abastece as bombas que sugam a água dos poços artesianos
A guerra no Iêmen — que até recentemente não ia muito bem para as forças do ex-presidente Abd Rabbo Mansour Hadi e a coalizão árabe sunita liderada pela Arábia Saudita e os Emirados Árabes — teve uma reviravolta dramática na semana passada, com a retomada de Áden, a segunda maior cidade do país, das mãos dos rebeldes houthis. Isso deu um ponto de apoio estratégico no sul do país para as forças pró-Hadi, que até então não controlavam nenhuma cidade importante no país.
Os houthis, naturalmente, tentaram minimizar a sua perda, atribuindo-a ao fato de que muitos dos seus combatentes ainda estavam nos seus vilarejos de origem para celebrar o fim do mês de Ramadã. De qualquer jeito, isso foi uma vitória importante para as forças de Hadi e da coalizão, que tem bombardeado o Iêmen diariamente por quatro meses. A verdade é que os houthis e seus aliados, principalmente as forças leais ao ex-presidente Ali Abdullah Saleh, tiveram a vantagem no solo e a coalizão, a vantagem no ar.
Um total de até três mil tropas compostas por forças especiais sauditas e soldados dos Emirados Árabes foi mobilizado em Áden. Em 48 horas, uma empresa especializada de Abu Dhabi tinha feito reparos no aeroporto de Áden para que ele pudesse reabrir e receber os primeiros voos militares vindos da Arábia Saudita e dos Emirados Árabes, trazendo mantimentos militares, comida, água potável e medicamentos. No dia 1º de agosto, o primeiro-ministro exilado iemenita, Khaled Bahah, fez uma visita relâmpago a Áden, pousando no aeroporto com seis ministros, visitando as áreas destruídas dessa cidade portuária.
E no dia 6 de agosto, o primeiro voo comercial em mais de quatro meses pousou em Áden, trazendo 150 iemenitas que tinham fugido da guerra de navio para Djibuti, na África.
Mais boas notícias vieram esta semana, com a retomada da base militar de al-Anad, que fica 48 quilômetros ao norte de Áden, das mãos dos houthis. Na noite de 4 de agosto, a Arábia Saudita e os Emirados Árabes enviaram por mar e ar duas brigadas armadas e vários batalhões de comandos, de acordo com o site de notícias israelense DEBKAfile. Centenas de veículos blindados, Humvees americanos e BMD3s russos, chegaram, todos equipados com mísseis. Os sauditas também trouxeram tanques de guerra americanos Abraham M1 e os Emirados Árabes, tanques Leclerc de fabricação francesa. Engenheiros trabalhavam apressadamente, fazendo reparos nas pistas da base, para que caças sauditas e dos EUA pudessem pousar.
Apesar dessas vitórias significativas para os aliados, o clima de desespero com a falta de água, comida, energia elétrica e gasolina continua a reinar no país inteiro, que depende há décadas de importações para suprir a maior parte de sua alimentação e combustível. De acordo com a ONU, mais de 1.600 civis já morreram na guerra, e mais de 3.800 foram feridos, além das centenas de milhares de iemenitas que foram deslocados de suas casas. A ONG Oxfam, no fim de julho, estimou que metade da população do Iêmen, ou quase 13 milhões de pessoas, estava à beira da fome, batalhando cada dia para conseguir algo para comer. Para agravar a situação, com o bloqueio do país pelos aliados, os preços de comida e combustível têm disparado, com o valor de farinha de trigo dobrando e o de gás de cozinha subindo 264%.
A escassez do óleo diesel também tem agravado a crônica seca que atinge o Iêmen há muitos anos, porque ele abastece as bombas que sugam a água dos poços artesianos em todo o país. Mas o bombeamento de tanta água subterrânea tem deixado efeitos negativos. De acordo com a agência de notícias humanitárias Irin, o lençol freático na capital Sanaa caiu de somente 30 metros abaixo da superfície nos anos 1970 para até 1.200 metros. A ONU tem ajudado no abastecimento de óleo diesel nas maiores cidades do país, mas ainda não é o suficiente para suprir a demanda.
Os sauditas e seus aliados dizem que o bloqueio aéreo e naval do Iêmen é necessário para não deixar carregamentos de armas chegarem aos houthis. Infelizmente, com isso, a ajuda humanitária também está sendo bloqueada ou, no mínimo, retida nas fronteiras, às vezes por semanas, o que deixa os necessitados passando fome e sem o tratamento médico adequado. Além disso, muitas vezes leva à deterioração dos itens apreendidos.
Em abril, a Arábia Saudita disse que ia bancar todos os US$ 274 milhões em ajuda humanitária para o Iêmen que a ONU pediu para o mundo. Até agora, esse dinheiro não chegou aos iemenitas, talvez vítimas do desejo saudita, nada estranho, de querer controlar de perto para onde vai cada centavo. Até agora, a ONU pediu um total de US$ 1,6 bilhão para o Iêmen; somente 15% foram concedidos.
Está claro que os problemas dos iemenitas não vão ser resolvidos somente na base da força bruta. Negociações políticas vão ser necessárias para pôr um fim a essa guerra estúpida e maldita. Infelizmente, em cada um dos dois episódios de cessar-fogo combinados entre os partidos, os houthis descumpriram o acordo poucas horas depois de começar. Essa arrogância dos houthis, de sempre querer obter vantagem, está acabando com o país e seus compatriotas. Seria do maior interesse de cada iemenita se os houthis e seus opositores se sentassem e discutissem suas diferenças, em vez de resolver tudo na bala.
http://oglobo.globo.com/opiniao/vitoria-saudita-muda-curso-da-guerra-iemenita-17110050#ixzz3kRbPgTL2
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