Uma cena do seriado “Omar”, sobre a vida do líder islâmico Omar ibn al-Khattab, exibida pela MBC-1 no Ramadã de 2012.
O Ramadã também traz à tona o melhor das pessoas. Todo mundo parece mais alegre e leve
ARTIGO - RASHEED ABOU-ALSAMH
Estamos no meio do mês sagrado do Ramadã, quando todo muçulmano adulto deve ficar em jejum durante o dia e se abster não somente de comida e água, mas também de sexo e de maledicência. Muçulmanos acreditam que foi ao longo deste mês que Deus revelou o Alcorão Sagrado para o profeta Maomé, fazendo desse mês um tempo de reflexão espiritual, purificação e de ajuda aos mais pobres.
Infelizmente em muitos países do Golfo, incluindo a Arábia Saudita, este mês se tornou um período de gula e de preguiça, no qual quase nada anda nas repartições publicas, e no qual estrangeiros indo para esses países a negócio são aconselhados a adiar suas viagens. Nos três dias antes de o Ramadã começar, você pode ver os supermercados lotados de pessoas com pelo menos dois carrinhos de compras cada um, cheios de comida. Parece que vai acontecer uma escassez.
“Expatriados não muçulmanos que vivem e trabalham no Golfo podem ser desculpados por assumir que o Ramadã é um mês de excessos gastronômicos e de ficar plantado no sofá em casa vendo televisão”, desabafou o colunista saudita Tariq Al Maeena num artigo recente no “Gulf News”. Ele notou que recebeu uma verdadeira avalanche de anúncios para Iftars (a refeição do desjejum) suntuosos, uma mais extravagante do que a outra. Ele escreve que alguns dos anúncios até deixam claro que duvidam de sua fé se você não saborear o banquete oferecido por eles!
É neste mês também que todos os canais de televisão por satélite lançam suas superproduções de novelas religiosas ou históricas, que custam milhões para produzir e comandam valores altíssimos dos anunciantes. Pelo menos 70 produções especiais foram lançadas neste Ramadã, variando de drama até a comédia. Na Arábia Saudita, a comédia “Tash ma Tash” (“Não é grande coisa”, em tradução livre), que somente era transmitida no Ramadã, virou um enorme sucesso, com sua abordagem de temas sociais sensíveis como o desemprego, a falta de juízes no trabalho, e se mulheres deviam dirigir carros ou não. Para a tristeza de muitos telespectadores, a série parou de ser produzida no ano passado, depois de 18 anos no ar.
Mas são exatamente essas atividades novas de poder ficar acordado a noite inteira vendo televisão, comer demais, ou fazer compras em shoppings abertos até meia-noite ou uma da madrugada — tudo no conforto de um ambiente ar-condicionado — que têm levado muitos críticos desse novo jeito de passar o Ramadã ao desespero. Eles insistem que esta não é a essência do espírito de Ramadã, apontando que em países muçulmanos menos ricos as pessoas continuam acordando de manhã para trabalhar, e não trocam a noite pelo dia.
Essa comilança e preguiça de fazer qualquer tipo de esforço físico neste mês levam muitas pessoas surpreendentemente, ou não, a ganhar peso. Menos surpreendente é o fato que a produtividade dos trabalhadores sofre quedas de 35 a 50% neste mês, por causa da jornada menor e por as pessoas ficarem acordadas a noite inteira. No Ramadã, todos os muçulmanos no Golfo somente trabalham seis horas por dia, em vez das habituais oito horas.
Como você pode imaginar, o trânsito no Ramadã também vira um perigo, especialmente perto da hora do pôr do sol, quando pessoas — enfraquecidas e menos atentas pelo jejum — aceleram para chegar em casa a tempo para o desjejum do Iftar. Isso levou o cônsul americano na capital saudita, Riad, a mandar um aviso a todos os cidadãos americanos no reino para tomar cuidado quando dirigindo nas estradas durante este mês. “Agora que a escola entrou em férias e o Ramadã começou, precisamos ser especialmente cautelosos quando dirigindo durante o pôr do sol e à noite. Mais carros estão nas estradas nesses momentos em que as pessoas estão ansiosas para chegar aos seus destinos para quebrar o jejum e visitar parentes e amigos. Fadiga e perda de concentração também podem ser responsabilizadas por muitos acidentes”, escreveu o cônsul David Tyler.
Mas não ficam somente os pontos negativos deste mês. O Ramadã também traz à tona o melhor das pessoas. Tudo mundo parece mais alegre e leve, tendo sentido as dores da fome durante o dia, e a falta de água. Se a pessoa não pode fazer jejum num certo dia, ele ou ela tem que dar comida para uma pessoa necessitada de sua comunidade, e completar os dias perdidos de jejum antes do próximo Ramadã. Na cidade de Jidá, o jornal “Arab News” noticiou que um grupo de jovens voluntários começou um programa para distribuir de graça refeições no Iftar para os necessitados da cidade. Começando em 2010, o grupo inicialmente distribuía 300 refeições por dia no Ramadã em três distritos. Hoje eles estão distribuindo mais de 3.000 refeições por dia em mais de sete distritos.
É lamentável que a vida moderna tenha deturpado o sentido original do mês do Ramadã para tantos muçulmanos. Desligar-se do mundo material, através do jejum e de orações, faz bem a qualquer pessoa, mesmo as mais laicas como eu.
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