Zakiah Attar na sua loja de abayas coloridas em Jeda. Ela desenha os modelos. (Foto cortesia da Foreign Policy)
A maré se voltou contra a polícia religiosa na Arábia Saudita desde que MBS foi nomeado príncipe herdeiro por seu pai
Por Rasheed Abou-Alsamh/16/02/2018/O Globo
De certo modo, a situação das mulheres na Arábia Saudita e no Irã não podia ser mais diferente e similar ao mesmo tempo. Separados pelas águas do Golfo, de um lado a Arábia Saudita é sunita e regida por uma família real; do outro, o Irã é xiita e governado por religiosos. Uma é árabe; o outro, persa.
Ambos são megaprodutores de petróleo. Nos dois países, há décadas mulheres têm batalhado por mais liberdade e direitos. As iranianas têm o direito de dirigir e votar há muito tempo. Na Arábia Saudita, somente conquistaram estes direitos recentemente.
Mas nas duas nações as mulheres são obrigadas a se cobrir da cabeça aos pés com vestes pretas em lugares públicos. As mais liberais têm tido uma batalha constante com as autoridades religiosas por usar abayas (túnica do pescoço aos pés) muito apertadas ou pôr fios de cabelo demais aparecendo por baixo do tarha, o véu que cobre a cabeça. No Irã, mulheres são obrigadas a vestir o chador.
Os dois países têm polícias religiosas que patrulham as ruas para fazer cumprir as leis de moralidade. Os policiais sempre advertiam mulheres em shoppings no reino, ou nas ruas de Teerã, por acharem que estavam se expondo demais. Começavam geralmente dizendo à “infratora” para se cobrir e, no reino, até batiam nas pernas de algumas com galhos de árvores superfinos. Nos casos mais sérios, podiam prendê-las e levá-las a uma delegacia para apuração e possível punição.
Mas a maré tem se voltado contra a polícia religiosa na Arábia Saudita desde que Mohammed bin Salman foi nomeado príncipe herdeiro no ano passado por seu pai, o rei Salman bin Abdulaziz. Os poderes de interrogar pessoas na rua e persegui-las lhe foi retirado. Seus integrantes receberam ordem de passar informações de possíveis infrações de moralidade e costumes somente à Polícia Civil.
Desde então, o rei Salman, com o apoio de Mohammed bin Salman, ou MBS, como é conhecido, tem se empenhado em dar mais direitos às sauditas. Primeiro, foi o anúncio de que elas poderão dirigir a partir de junho. Isso pode não parecer grande coisa para o resto do mundo, mas no reino conservador foi uma decisão de grande impacto. Ainda há homens conservadores, e até mulheres, que acham que a novidade vai levar à dissolução da sociedade saudita, por deixá-las irem e virem à vontade.
Mais um avanço para as sauditas veio no dia 9 de fevereiro, quando o xeque Abdullah al-Mutlaq, membro do Conselho dos Pesquisadores Sêniors, disse no seu programa de rádio que as sauditas não precisavam mais usar a abaya. “Mais de 90% das mulheres muçulmanas piedosas no mundo muçulmano não usam a abaya; então, não devemos forçá-las a isso”, disse ele.
Muitas sauditas já estavam cansadas de ter que usar a abaya preta, que fazia com que se parecessem corvos. Na última década, estilistas sauditas têm criado novos tipos de abayas, começando com decorações bordadas em fio dourado e prateado, evoluindo para peças nas mais diversas cores, frequentemente decoradas com flores ou painéis de tecidos coloridos.
Isso não quer dizer que mulheres sauditas agora vão poder andar na rua mostrando cabelos e pele. Mas é um avanço, mesmo que não pareça aos olhos ocidentais.
No Irã, mulheres também precisam se cobrir em lugares públicos, e muitas têm se rebelado contra a restrição. Vinte e nove iranianas foram presas em janeiro e fevereiro depois de tirar seus hijabs (véu islâmico) em público e acenar com os pedaços de tecido presos em varas. Isso aconteceu depois que uma ativista iraniana que mora nos EUA lançou a campanha Quartas-Feiras Brancas num canal de TV a satélite. Segundo o “New York Times”, Masih Alinejad instigou as mulheres iranianas a vestir branco nestes dias e a tirar o hijab em público.
O governo Donald Trump apoia a campanha. A porta-voz do Departamento de Estado, Heather Nauert, disse que “pessoas devem estar livres para escolher as roupas que vestem, e praticar sua fé como desejam.” A agencia de notícias iraniana Tasnim, linha-dura, não concordou com isso, dizendo que as mulheres presas foram enganadas por propaganda.
Mas uma notícia boa veio na segunda-feira, quando o governo belga anunciou que a Arábia Saudita concordou em desistir de controlar a Grande Mesquita, em Bruxelas. O rei belga tinha passado o controle da mesquita para a Arábia Saudita em 1969 por 99 anos, sem cobrar aluguel. Na época, a Bélgica tinha uma população crescente de imigrantes muçulmanos vindos do Marrocos e sentiu que os sauditas seriam os melhores para administrar o templo. Mas uma crescente preocupação com a pregação de uma versão ultraconservadora do Islã, encorajada pelos sauditas, fez com que os belgas mudassem de ideia.
Segundo a agência de notícias Reuters, este acordo para deixar a mesquita em Bruxelas marca uma nova postura saudita de parar de apoiar mesquitas e escolas religiosas no exterior.
Talvez seja irônico que mulheres sauditas agora pareçam avançar mais do que suas irmãs iranianas. Mas tudo isso faz parte da guerra constante entre os liberais e os linha-dura nos dois países. Vamos torcer para que mulheres nas duas nações conquistem mais e mais direitos. Somente assim estas sociedades vão avançar e todos, homens e mulheres, se beneficiarão.
Rasheed Abou-Alsamh é jornalista
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