Fumaça negra sobe no ceu ao lado da Mesquita do Profeta em Medina depois que um homem-bomba se explodiu no dia 4 de julho, 2016.
Esta coluna foi publicada no O Globo de 08 de julho, 2016:
Por Rasheed Abou-Alsamh
Líderes de todo o mundo islâmico condenaram o atentado em Medina
Escrevo esta coluna no primeiro dia do Eid al-Fitr, a celebração de três dias do mundo muçulmano que marca o fim do mês do Ramadã. Muçulmanos de toda parte não estão muito felizes, já que o Eid deste ano vem depois de uma série de ataques terroristas em quatro países, que deixaram pelo menos 324 mortos e centenas de feridos.
O primeiro ataque foi ao aeroporto de Istambul, na Turquia, no dia 28 de junho, no qual três terroristas islamitas entraram atirando nas salas de embarque e desembarque e depois explodiram bombas que carregavam no próprio corpo.
Em seguida, veio uma ação sangrenta num restaurante em Daca, a capital de Bangladesh, no dia 2, quando japoneses e italianos perderam a vida depois de não recitarem parte do Alcorão. Os oito terroristas cortaram os pescoços das vítimas.
Em seguida, houve pelo menos duas grandes explosões numa rua central de Bagdá, onde as pessoas estavam fazendo compras para o Eid. Morreram pelo menos 143.
Finalmente, uma série de três explosões de homens-bomba no dia 4, na Arábia Saudita, em três cidades. O primeiro foi um motorista paquistanês, que se explodiu a dez metros do consulado americano na cidade de Jedá. Depois, um homem-bomba se explodiu na frente de uma mesquita em Qatif, área majoritariamente xiita. O último ataque, e talvez o mais chocante, foi o do terrorista que se aproximou de policiais que faziam a segurança da Mesquita do Profeta, em Medina, a segunda cidade mais sagrada no mundo para muçulmanos. Ele perguntou aos policias se podia comer com eles, que estavam quebrando o jejum no fim do penúltimo dia do Ramadã. Quando os seguranças disseram que sim, ele se explodiu, matando quatro policiais e ferindo cinco.
O que se notou é que o Estado Islâmico (EI) não se responsabilizou por nenhum dos ataques, apesar de todas as pistas apontarem para o grupo. Em ataques anteriores a mesquitas xiitas na Arábia Saudita em que terroristas se explodiram, o EI assumiu a autoria dos atentados. Vários analistas disseram que isso, talvez, fosse uma tática do grupo para não perder ainda mais a popularidade entre certos setores muçulmanos.
“Todos verão que esses extremistas não são islâmicos, mas essencialmente anti-islã e antimuçulmanos,” disse o professor Muqtedar Khan, da Universidade de Delaware, nos EUA, em entrevista ao “Correio Braziliense”.
Muçulmanos ficaram chocados com o atentado tão perto da Mesquita do Profeta, algo que nem o grupo terrorista al-Qaeda tentou em mais de dez anos de atuação na Arábia Saudita. Para muitos observadores, isso não deveria ser uma surpresa, já que o EI tem dito muitas vezes que quer derrubar a família real saudita e depois controlar as cidades sagradas de Meca e Medina. “Esse ataque deixou muito claro que o EI não acredita em limite moral algum,” disse o analista saudita Fahad Nazer ao jornal “Los Angeles Times”. “Até a al-Qaeda, que por si só já é brutal, nunca alvejou muçulmanos em casas de culto. O EI tem feito isso repetidamente,” acrescentou.
Líderes de todo o mundo islâmico condenaram o atentado em Medina. O chanceler iraniano, Javad Zarif, escreveu no Twitter que “sunitas e xiitas vão juntamente permanecer como vítimas, a menos que nós permaneçamos unidos.”
O colunista David Ignatius, do “Washington Post”, sugeriu esta semana a formação de um comando de inteligência de EUA, Europa, Turquia, Iraque, Arábia Saudita, Indonésia e o Paquistão para combater e derrotar a praga do EI. Ele nota que os sauditas conseguiram, com a ajuda da CIA, derrotar a al-Qaeda no reino depois de uma série de atentados terroristas de 2003 a 2008. Mataram e prenderam milhares de terroristas. Ignatius diz também que outros países árabes, como o Egito, Marrocos, Jordânia e os Emirados Árabes têm que ser incluídos nesta frente antiterror.
O que mais feriu os sentimentos dos muçulmanos foi o fato de a Mesquita do Profeta, onde os restos mortais de Maomé estão enterrados, ter sido alvejada por terroristas que se dizem muçulmanos. A cidade de Medina deu abrigo a Maomé quando ele fugiu de Meca, perseguido pelos não muçulmanos que rejeitavam sua mensagem de Deus. Foi nessa cidade também onde o profeta deu abrigo a cristãos da região de Najran, e onde ele tinha vizinhos judeus. Medina sempre foi um lugar acolhedor para os perseguidos, um lugar de paz e proteção. É por isso que ela tem um espaço muito especial no coração de todo muçulmano.
O mais importante em tudo isso, no entanto, é a ideologia deturpada chamada takfiri, segundo a qual certos muçulmanos extremistas acham que é permitido matar quem eles acreditam não serem bons muçulmanos. O mais recente exemplo foi o de dois irmãos gêmeos sauditas, de 18 anos, que mataram sua mãe a facadas em Riad, no dia 24 de junho, porque ela não apoiava o EI. Isso gerou um debate na Arábia Saudita sobre se o estudioso islâmico do século XIII Ibn Taymiyya — que morava em Damasco e pregava que era permitido matar parentes, se eles fossem apóstatas — é o responsável por essa ideologia no Islã, da qual há muitos adeptos no reino. O ministro saudita de Assuntos Islâmicos, Saleh bin Abdul-Aziz Al al-Sheikh, contestou essa interpretação de Ibn Taymiyya, dizendo que o estudioso queria dizer que um filho muçulmano numa guerra contra apóstatas podia matar seu próprio pai se ele tivesse renunciado ao islã. De qualquer jeito, o EI tem destorcido os ensinamentos de Ibn Taymiyya e os usado para justificar a matança de milhares de muçulmanos, por acharem que suas vítimas são muçulmanos relapsos.
A Arábia Saudita e outros países muçulmanos têm o dever de retomar a narrativa do Islã, e não deixar o EI deturpar, distorcer e destruir a imagem de um Islã de paz, justiça e, sobretudo, misericórdia.
http://oglobo.globo.com/opiniao/um-eid-al-fitr-sombrio-19667732#ixzz4F3QOk313
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