Essa coluna minha foi publicada no O Globo de 15/06/2012
Rasheed Abou-Alsamh
É estranho que o Brasil não tenha tentado achar uma saída para Bashar
Mais de um ano e meio depois do suicídio do vendedor ambulante de frutas na cidade de Sidi Bouzid, na Tunísia, que deflagrou as revoluções através do mundo árabe com a derrubada dos lideres de Tunísia, Egito e Líbia, a euforia inicial desses povos de se ver livres de ditadores agora está se transformando em frustração e desapontamento com a lentidão das mudanças.
Na Tunísia, o governo de coalizão islamista, liderado pelo partido Ennahada, tem sido muito fraco em lidar com a violência dos salafistas. Nas últimas semanas, eles atacaram lojas vendendo bebidas alcoólicas, bares, postos policias e até tocaram fogo numa sala de um juiz. Na noite de terça-feira passada, mais de 50 pessoas foram presas depois de uma noite de “atos terroristas”, segundo o ministro da Justiça, Nourredine Bhiri.
Na Líbia, a euforia que houve depois da morte violenta de Moammar Qaddafi já se dissipou e o pais vive momentos de tensão, com várias milícias ainda em controle de partes diferentes do país. A unidade do país está longe de ser alcançada, e a luta pelo poder continua na ausência de um governo central e forte. Esta semana uma advogada do Tribunal Penal Internacional, que foi à Líbia para entrevistar o capturado filho de Qaddafi, Seif al-Islam, foi presa por uma milícia. Uma outra delegação do TPI foi despachada para negociar a soltura dela. E na semana passada o aeroporto internacional de Trípoli foi bloqueado temporariamente por outra milícia, que posicionou tanques nas pistas, impedindo a aterrissagem ou decolagem de qualquer avião.
No Egito, o eleitorado espera o segundo turno da eleição presidencial neste fim de semana em que eles têm a nada agradável escolha entre o islamista conservador Mohammed Morsi, da Irmandade Muçulmana, e o remanescente do antigo regime Ahmed Shafiq. Adicionalmente, nem o egípcios ou os tunisianos acabaram de redigir uma nova Constituição, algo essencial para se avançar e deixar o passado turbulento para trás. Em cima dessas revoluções ainda inacabadas restam a violência e a matança incessante na Síria, onde mais de 13 mil pessoas já foram mortas em confrontos entre forças do governo do presidente Bashar al-Assad e da oposição, desde o ano passado.
Aqui o Brasil tem ficado num silencio vergonhoso frente às brutais execuções em massa de crianças e mulheres nas duas últimas semanas. O Itamaraty diz que não apoia uma intervenção militar na Síria, e que a diplomacia é o caminho certo para botar um fim na violência. Eu não acho que Bashar vai sair do poder ou parar de matar seus compatriotas somente na base da lábia! Isso é uma ilusão de esquerdistas e pacifistas. O Brasil deveria ter pelo menos chamado o seu embaixador em Damasco de volta para consultas, para mostrar um pouco de desgosto pela matança incessante.
É igualmente estranho que o Brasil, que possui cerca de cinco milhões de brasileiros de descendência árabe, a maioria com raízes na Síria e no Líbano, não tenha tentado usar a diplomacia para achar uma saída para Bashar poder deixar o poder.
Um exílio aqui no Brasil para ele e sua família seria um desgosto para o país, mas seria um desgosto que valeria a pena se o retirasse do poder e, mais importante, acabasse com a matança intensa. Como a “Folha de S.Paulo” relatou algumas semanas atrás, brasileiros de descendência síria estão divididos entre apoiadores e opositores do regime do Bashar.
Os lideres no Ocidente que apoiaram o bombardeio intenso da Líbia no ano passado agora estão reticentes em frente da crise econômica abalando a Europa, e também por causa da insistência da Rússia e da China em bloquear qualquer resolução do Conselho de Segurança da ONU que autoriza ação armada contra o regime sírio. A geografia da Síria e sua densidade populacional fariam uma intervenção armada de fora muito mais perigosa e difícil do que foi a ação na Líbia, e os EUA e seus aliados europeus entendem isso.
Não quer dizer que devemos fazer nada. Eu não compro o ditado que diz que “o diabo que nós conhecemos é melhor que o diabo que não conhecemos”. A Arábia Saudita e o Catar têm sido acusados de fornecer quantias enormes de armas para os combatentes do Exército Livre Sírio, mas eu não vi evidência disso até agora. Devemos continuar a apoiar os rebeldes na Síria com armas, inteligência, dinheiro e apoio diplomático, porque é a coisa certa a se fazer.
Mas no fim das contas as mudanças no mundo árabe têm que vir de dentro, e não de fora. Com o tempo, os egípcios, os tunisianos e até os sírios vão achar o caminho certo para eles. Os levantes árabes estão agora parecendo um pouco como um sonho que não deu certo. Porém há ainda muito espaço para pôr a casa em ordem. Só espero que não leve décadas e milhares de vidas para se realizar.
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