Um soldado egípcio na Praça Tahrir no Cairo. (EPA foto)
Essa coluna foi publicada no O Globo de 04/03/2016:
Por Rasheed Abou-Alsamh
Egípcios estão submetidos a uma repressão política maior do que a que viveram durante o governo de Mubarak
As esperanças de mais liberdade e direitos políticos trazidas pelas múltiplas revoluções da Primavera Árabe, iniciadas em 2011, estão sendo esmagadas uma atrás da outra.
Em nenhum outro lugar isso é tão evidente e doloroso quanto no Egito. Depois da Tunísia, o Egito foi o próximo país árabe a derrubar seu ditador, no dia 25 de janeiro de 2011. O presidente Hosni Mubarak, um comandante da Aeronáutica, tinha liderado o Egito por três décadas, na ocasião — velho e sofrendo forte pressão popular e militar para não entregar o poder a seus filhos —, se rendeu às manifestações públicas e renunciou.
O movimento islamita da Irmandade Muçulmana, que por décadas tinha sido fortemente reprimido e proibido de formar um partido político, se viu legalizado. Com isso, participou de eleições parlamentares em 2011-2012, conquistando quase metade das cadeiras. Isso levou o líder da Irmandade, Mohammed Morsi, a disputar as eleições presidenciais. Morsi só ficou um ano no poder, até julho de 2013, quando foi derrubado pelos militares, horrorizados em ver os islamitas com tanto poder. Morsi e toda a liderança da Irmandade foram presos e sentenciados à pena de morte, depois de julgados por cortes militares.
O partido político da Irmandade, o Partido da Liberdade e Justiça, foi banido em setembro 2013, e seus bens, apreendidos. Em dezembro de 2013, o governo interino declarou a organização um grupo terrorista.
Agora, dois anos e meio depois desse golpe militar, os egípcios estão vivendo uma repressão maior do que durante o governo de Mubarak. Estima-se que 13 mil pessoas tenham sido presas desde julho de 2013 pelas autoridades, sendo muitas delas condenadas à pena de morte ou prisão perpétua por terem participado de manifestações violentas a favor do Morsi. E, além dessas punições draconianas, o governo do presidente Abdel Fattah al-Sisi tem aprovado novas leis que restringem severamente o direito a manifestações públicas e proclamações políticas.
Ativistas políticos, a maioria liberais e esquerdistas — especialmente os mais jovens que lideraram as manifestações na Praça Tahrir, no Cairo, que levaram à derrubada de Mubarak —, têm sido visados pelo atual governo, que está indo atrás deles e os pondo atrás das grades. Nas prisões, esses ativistas são torturados, e algumas vezes desaparecem.
A ONG Human Rights Watch protestou, conclamando o governo egípcio a cancelar várias leis repressivas que foram promulgadas desde julho 2013. Uma delas, que reprime protestos, foi aprovada em novembro 2014, dando ao Ministério do Interior o direito de banir qualquer protesto que achar que vai ser desordeiro. Outra lei, de outubro 2014, pôs todas as instalações públicas, como usinas de geração de energia elétrica, ferrovias, ruas e instalações de óleo e gás sob jurisdição de tribunais militares por dois anos. Quase quatro mil pessoas já foram acusadas ou condenadas desde que al-Sisi baixou este decreto.
Outra lei dura é a antiterrorismo, de agosto 2015. Ela é tão vaga que qualquer ato de desobediência civil pode ser enquadrado nela. A Human Rights Watch diz que esta lei cria penalidades para jornalistas cujas reportagens divergem das declarações oficiais, e dá a promotores maiores poderes para deter suspeitos sem revisão judicial.
Presos também estão sendo detidos por até 24 meses, aguardando julgamento, sem serem trazidos à presença de um juiz para poder pedir habeas corpus.
Um bom exemplo do aparente descontrole do Estado no Egito foi o desaparecimento do estudante italiano Giulio Regeni, de 28 anos, no dia 25 de janeiro deste ano, no Cairo. Seu corpo foi encontrado nove dias depois, jogado na beira de uma estrada perto da capital, com sinais de ter sido brutalmente torturado. O Ministério do Interior negou que ele tenha sido interrogado pelo escritório da Promotoria Pública. Mas um legista disse que, pelas queimaduras encontradas no corpo na autopsia, Regeni tinha sido torturado com cigarros em intervalos de dez a 14 horas.
Regeni estava pesquisando o surgimento de sindicatos independentes de trabalhadores depois da revolução de 2011 e escrevia artigos críticos sobre o Egito para um jornal italiano, usando um pseudônimo. Estes dois fatos, certamente, o puseram na mira dos serviços de inteligência egípcios.
É claro que o regime de al-Sisi tem muitos apoiadores na população egípcia, que não querem ver os islamitas no poder e temem uma guerra civil, como está acontecendo na Líbia e, ao lado, na Síria. Estabilidade a qualquer custo é o nome do jogo, mesmo que algumas liberdades e direitos civis sejam jogados pela janela.
“A política é algo que deve ser minimizado e tolerado dentro de limites muito estreitos; a maioria das decisões importantes deve ser deixada para as instituições especializadas do Estado. Na opinião dos militares, o Egito não teve o mesmo destino de Síria ou Líbia, o que, por si só, é uma realização que merece ser comemorada. A política deve e tem de esperar,” explicam os acadêmicos Nathan Brown e Yasser El-Shimy num artigo na revista “Foreign Affairs”.
De certa forma, lembra o Brasil durante a ditadura militar de 1964-1985, quando milhares de ativistas esquerdistas foram presos, torturados, mortos e exilados, tudo em nome da segurança nacional e da estabilidade. O povo egípcio merece muito mais do que isso. É lamentável o que está acontecendo lá agora. E vai levar muitos anos para as feridas feitas agora na alma nacional cicatrizarem.
Leia mais sobre esse assunto em http://oglobo.globo.com/opiniao/repressao-no-egito-esmaga-esperanca-18801131#ixzz454u6OcEv
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