Um poço de petróleo da ARAMCO sendo perfurado na Arábia Saudita em 1948. (Foto por Robert Yarnall, cortesia da Biblioteca DeGolyer, Southern Methodist University)
Esta coluna foi publicada no O Globo no dia 27/05/2016:
Por Rasheed Abou-Alsamh
Comissão do 11 de Setembro concluiu que não havia ligação alguma entre os ataques e o governo saudita ou alto oficial do reino
Em março de 1938, a descoberta de petróleo na Arábia Saudita, independente e unificada havia somente seis anos, mudaria para sempre o destino do reino que, até aquele momento, só contava com a renda vinda dos peregrinos muçulmanos em direção às cidades sagradas de Meca e Medina, no oeste do país.
Também forjou uma relação estratégica e de importância máxima entre a Arábia Saudita e os Estados Unidos. O rei Abdulaziz ibn Saud, o fundador do reino, concedeu a exploração de petróleo à empresa americana Standard Oil of California, que formou uma subsidiária chamada California Arabian Standard Oil Company para explorar a concessão. Na província leste do reino, em Dammam, foi descoberto um dos maiores campos de petróleo do mundo, que produz ainda hoje. Em 1943, o nome da empresa foi mudado para Arabian American Oil Company, a famosa Aramco, que por um tempo foi propriedade conjunta de Chevron, Exxon e Texaco.
No início, a Aramco fazia pagamentos modestos ao governo saudita, inclusive na forma de gasolina e outros derivados de petróleo refinados. Finalmente, em 1950, o governo fixou impostos para a Aramco e determinou que teria direito a 50% da produção de petróleo. Apenas em 1980 a Aramco foi 100% nacionalizada e renomeada de Saudi Aramco.
Com a retomada de crescimento global depois da Segunda Guerra Mundial nos anos 1950 e 1960, o petróleo saudita barato teve uma participação importante no desenvolvimento dos Estados Unidos. Foi somente em 1973, com a Guerra de Yom Kippur entre Israel e o Egito, que a Arábia Saudita, liderada então pelo rei Faisal ibn Abdul Aziz, decidiu flexionar seus músculos e liderou na Opep um corte completo nas exportações de petróleo para os EUA e países europeus, de outubro a março do ano seguinte. Esse embargo chocou o Ocidente e fez o preço do barril de petróleo disparar. De US$ 3 antes do embargo, foi para US$ 12.
Mesmo nesses períodos de instabilidade, o pacto entre a Arábia Saudita e os EUA — os sauditas garantiriam petróleo a preços estáveis aos americanos e, em troca, estes defenderiam o reino de qualquer ameaça externa — continuou firme. Mas aí veio o maior desafio dessa relação, com os ataques de 11 de setembro de 2001, quando 19 terroristas do grupo al-Qaeda sequestraram aviões civis e os jogaram no World Trade Center, em Nova York; no Pentágono, em Washington; e num terreno baldio, na Pensilvânia. Mais de três mil americanos morreram naquele dia. Dos 19 terroristas, 15 eram sauditas.
A Comissão do 11 de Setembro, encarregada de investigar os ataques, concluiu, em 2004, que não havia ligação alguma entre os terroristas e o governo saudita ou alto oficial do reino. Mas isso não impede que um grupo pequeno de familiares das vítimas insista — sem dúvida, encorajados por seus advogados gananciosos — que tem direito a processar o governo saudita, a família real e instituições de caridade sauditas por suposto apoio ao terrorismo.
Essa pressão levou o Senado americano a aprovar, no dia 17 de maio, uma lei que permite que as famílias das vítimas do 11 de setembro processem o governo saudita. A lei — chamada de Ato de Justiça Contra Patrocinadores do Terrorismo — foi aprovada por unanimidade e agora segue para a Câmara dos Deputados. O presidente Barack Obama já disse que irá vetar a nova lei se chegar à sua mesa, porque ela vai expor o governo americano a processos similares por parte de estrangeiros.
O chanceler saudita, Adel Al-Jubeir, reagiu com uma ameaça: o governo saudita seria forçado a saldar seus US$ 116,8 bilhões em títulos do Tesouro americano, para salvaguardar seus ativos de um possível congelamento pela Justiça americana caso a nova lei fosse aprovada pelo Congresso. Depois, voltou atrás e disse que só quis alertar o mercado para o fato de que a confiança do investidor americano diminuiria com a aprovação da lei.
Como sempre, toda a muvuca em torno desta questão fez com que os islamofóbicos e os que odeiam os sauditas viessem à tona, com suas acusações sem fundamento de que o governo saudita apoia terroristas da al-Qaeda e do Estado Islâmico (EI). Um estudo mais profundo da questão mostraria que o próprio reino tem sido vítima de centenas de ataques terroristas desde 2003, primeiro por parte da al-Qaeda e, recentemente, pelo EI. Milhares de sauditas terroristas têm sido mortos em confrontos com as forças de segurança do reino ou presos e levados a julgamento. A Justiça saudita já condenou centenas de terroristas à pena de morte ou de reclusão.
A relação especial entre os sauditas e os americanos vai superar este desafio sério mais uma vez. A maioria dos sauditas é cidadã comum, que quer trabalhar, se casar, ter filhos e levar uma vida sossegada. É lamentável que uma minoria de sauditas, seduzida pelas promessas desses grupos terroristas, manche a reputação de uma nação inteira.
A Arábia Saudita não é um antro de terroristas. E é do interesse do mundo inteiro que continue assim.
Leia mais sobre esse assunto em http://oglobo.globo.com/opiniao/relacao-eua-arabia-saudita-vai-superar-mais-um-desafio-19378036#ixzz4AF4HMElh
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