Este é minha coluna no O Globo de 07 de março, 2014:
Uma vítima das tensões provavelmente será a nova companhia, da Qatar Airways, que lançaria voos na Arábia Saudita
Rasheed Abou-Alsamh
O minúsculo Qatar sempre gostou de ser diferente. E a sua imensa riqueza, que veio dos seus depósitos de gás natural, lhe deu o ânimo de continuar sendo diferente e não depender de ninguém economicamente. Mas agora o seu forte e contínuo apoio à Irmandade Muçulmana levou a uma ruptura com seus vizinhos do Conselho de Cooperação do Golfo (CCG). A Arábia Saudita, o Bahrein e os Emirados Árabes Unidos anunciaram no dia 5 de março que estavam retirando seus embaixadores de Doha em protesto contra o fato de o Qatar não ter implementado um acordo de segurança firmado em 23 de novembro do ano passado.
Nesse acordo, que o Qatar assinou juntamente com os outros cinco membros da CCG, todos aderiram a um compromisso com os princípios que garantem a não ingerência nos assuntos internos de qualquer um dos países do conselho, direta ou indiretamente. Também se comprometeram a não apoiar qualquer atividade que possa ameaçar a segurança e a estabilidade de qualquer um dos países do CCG, de organizações ou indivíduos, incluindo suporte para mídias hostis.
Apesar de assumir esse compromisso de não interferência em assuntos internos de outros membros do CCG, o Qatar tem deixado o xeque Yusuf Qaradawi — o líder espiritual da Irmandade que mora no país faz anos e é próximo da família real — atacar os Emirados e a Arábia Saudita por seu apoio ao regime militar do Egito que derrubou o presidente Mohamed Mursi no ano passado. O governo do Qatar deu vários bilhões de dólares em ajuda econômica para o Egito quando Mursi, que é da Irmandade, venceu as eleições e governou por um ano. A Arábia Saudita e os Emirados nutrem uma desconfiança e inimizade com a Irmandade faz décadas. E por isso celebraram quando o governo de Mursi caiu e deram bilhões de dólares em ajuda econômica para o regime militar.
O comentarista Sultan al-Qassemi me disse por telefone, de Chicago, que ele não acha que os qataris vão abandonar a Irmandade, mas que vários projetos econômicos envolvendo o Qatar e a Arábia Saudita e os Emirados iam sofrer atrasos por causa dessa ruptura diplomática.
“Essa reprimenda do Qatar foi muito pública, ao contrário da tradicional reprimenda do Golfo, que é geralmente feita em privado, nos bastidores”, disse al-Qassemi. “O problema é que o Qatar vê a Irmandade como uma força positiva, enquanto a Arábia Saudita e os Emirados Árabes, não. A Irmandade é institucionalizada no Qatar. Há indivíduos dentro dos escritórios do primeiro-ministro e do ministro de Relações Exteriores que veem as relações com a Irmandade como estratégicas para o Qatar.”
Uma vítima das ultimas tensões provavelmente vai ser a nova companhia área, de propriedade da Qatar Airways, que ia lançar voos domésticos na Arábia Saudita até o fim deste ano, depois que o governo saudita decidiu abrir o mercado interno para companhias estrangeiras. E, como essas tensões têm sido sentidas por vários anos, os Emirados Árabes já estavam diminuindo suas importações de gás natural do Qatar, disse Al-Qassemi.
Apesar dessas diferenças estratégicas, eu não acho que o CCG vai ter uma ruptura dramática por causa do Qatar. A única fronteira terrestre que o Qatar tem é com a Arábia Saudita e os Emirados Árabes, e sua localização e imensos depósitos de gás natural o fazem importante demais para ser excluído da união. Mas al-Qassemi me disse que uma nova união dentro do CCG, que está sendo orquestrada pela Arábia Saudita, provavelmente irá excluir o Qatar.
O governo do Qatar, em nota oficial, se disse surpreso e lamentou que os três embaixadores de países fraternos tivessem sido chamados de volta para suas capitais, frisando que essas medidas não tinham nada a ver com os interesses, segurança ou estabilidade dos povos do CCG, mas que na verdade era uma diferença em posições sobre assuntos fora do CCG.
É lamentável que o Qatar deixe Qaradawi atacar vizinhos seus, como a Arábia Saudita e os Emirados Árabes. Isso não ajuda em nada a acalmar as tensões no Golfo e no mundo árabe em geral, que está vivendo os efeitos dos choques das revoluções da Primavera Árabe, que viu ditadores serem derrubados da Líbia para a Tunísia e até o Egito. Talvez o Qatar ache que pode sobreviver somente com seus bilhões em renda da venda de gás, mas faria bem em lembrar que está numa região explosiva, e deveria tentar acalmar os ânimos com seus vizinhos, em vez de botar lenha no fogueira.
http://oglobo.globo.com/opiniao/qatar-esta-atirando-no-proprio-pe-11806488
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