Essa coluna foi publicada no O Globo de 10/02/2012
RASHEED ABOU-ALSAMH
A violência incessante que se alastra na Síria desde março do ano passado, com manifestantes pedindo mais liberdade sendo violentamente reprimidos pelas forças do governo, nos últimos dias tem atingindo níveis inaceitáveis na cidade de Homs. Centenas de homens, mulheres e crianças estão sendo brutalmente assassinadas por bandos de milícias pro-governo, ou vítimas dos bombardeios implacáveis da força aérea que deixaram mais de 200 bombas cair sobre a cidade na segunda feira em somente quatro horas.
Depois do veto da Rússia e da China no Conselho de Segurança das Nações Unidas em Nova Iorque no domingo, de uma resolução que condenava o governo de Sírio pela violência no pais e que exigia o começo de um diálogo com a oposição, os apoiadores da resolução derrotada foram reduzidos a xingar as duas potencias orientais. Os EUA fecharam sua embaixada em Damasco, e a Grã Bretanha e a França, entre outros, chamaram seus embaixadores de volta para consultas. Os seis países do Conselho de Cooperação do Golfo, liderado pela Arábia Saudita, retiraram seus enviados na Síria e expulsaram todos os diplomatas sírios nos seus territórios.
O presidente sírio Bashar al-Assad, que herdou o dom sádico e violento do seu pai, o sangrento Hafez, faz discursos acusando os manifestantes de serem espiões estrangeiros, mobilizados para arruinar o país. Na mente dele é tudo um complô para acabar com seu reino como ditador implacável. Na verdade, a Síria já tinha virado um estado de polícia desde 1970 quando Hafez al-Assad veio ao poder por um golpe militar. Todos seus adversários foram mortos, encarcerados e torturados, ou despachados para o exílio no estrangeiro. Uma rede de informantes através do país inculcou um medo de criticar qualquer medida governamental ou líder em público. Esse mês marca os 30 anos do massacre de Hama, que ocorreu em fevereiro de 1982, quando Hafez mandou o exército pôr fim a um movimento islamita naquela cidade. A cidade inteira foi demolida por um bombardeio brutal que matou até 40,000 pessoas.
Infelizmente, os esquerdistas de plantão no Ocidente ficaram encantados por Bashar e sua mulher Asma em 2000 quando ele herdou o poder do pai depois da morte dele, seduzidos pelos dois jovens profissionais, aparentemente bonitos, charmosos, educados em Londres e de perspectiva secular e moderna. Muitos na Síria tinham esperanças que Assad filho ia mudar as coisas no país, abrindo a economia e deixando um espaço para a oposição na política. E ele abriu a economia mesmo, deixando a vizinha Turquia investir em muitas áreas, uma mudança radical do passado em que a economia era centralizada e do estado, um legado da era quando a antiga União Soviética era a grande aliada da Síria. O problema aqui é que a maioria dos contratos foram para seus aliados alawitas, seguidores da mesma vertente obscura da ala xiita do islã, do qual Bashar faz parte.
Por muito tempo a Síria se considerou o líder do nacionalismo árabe, especialmente por causa do seu forte ódio por Israel, um vizinho para qual perdeu as Colinas de Golan na Guerra dos Seis Dias em 1967. Mas, com os levantes da Primavera Árabe varrendo a região, a Síria não ficou imune à onda revolucionaria, e aqui estamos quase um ano depois dos primeiros confrontos entre manifestantes e os apoiadores de Bashar, com 6.000 sírios mortos e o país numa guerra civil brutal e possivelmente longa. O dilema que confrontamos é esse: devemos invadir a Síria para por fim ao massacre covarde de civis inocentes em Homs, ou temos que perseguir a diplomacia? Eu acho que está mais do que claro que a hora chegou de usar força contra o Bashar, porque falar com ele não levou a nada, e lhe deu a oportunidade de matar mais dos seus compatriotas.
Em um artigo muito interessante publicado no The National de Abu Dhabi, no dia 5 de fevereiro, um analista militar dos Emirados Árabes, Ahmed Al Attar, e William J. Maloney, argumentam que uma força composta por tropas dos países do CCG, da Jordânia e da Turquia, deveria invadir a Síria pelo sul e norte para estabelecer zonas liberadas onde forças do Exército Livre da Síria (ELS) e refugiados de cidades sobe ataque do governo, como Homs e Hama, poderiam procurar refúgio. A Otan (do qual Turquia é membro) e os EUA iam ajudar com seu poder aéreo para destruir os sistemas de defesa aérea do governo sírio, e manter uma zona de exclusão aérea sobre o país inteiro.
É claro que os invasores iam ter que entrar na Síria com metas claras e públicas de somente proteger civis, e criar um espaço seguro para a oposição poder negociar a saída do Bashar do poder e a transição para um futuro democrático com eleições honestas e abertas para tudo mundo.
A acadêmica americana Anne-Marie Slaughter, que é a ex-diretora de planejamento do Departamento de Estado americano, acredita que seguindo a doutrina de “responsabilidade para proteger”, que foi usado em 1999 quando a Otan bombardeou a antiga Iugoslávia para por fim ao genocídio dos mulçumanos em Kosovo, uma invasão da Síria para proteger os civis sendo brutalmente mortos lá, poderia ser defendido na ONU.
É verdade que não ha muito estômago no momento nos EUA e na Grã Bretanha para mais uma campanha aérea como foi feito na Líbia . Mas é justamente aqui que os países ricos como a Arábia Saudita e o Catar podem entrar com dinheiro para financiar tal campanha militar na Síria, e também com seus aviões caça de ultima geração comprados do Ocidente. A Síria forma um eixo de amigos xiitas começando no Irã, passando pelo Iraque e terminado no Líbano com a Hezbollah. Tirar o Bashar do poder ia enfraquecer essa aliança xiita, que ameaça os interesses políticos e econômicos do CCG e do Ocidente.
A Síria e o mundo seriam lugares muito melhores sem o “monstro” Bashar al-Assad. Nos não podemos deixar as forças dele continuar a matar milhares de inocentes Sírios, que estão clamando para mais liberdade, e ficarmos de braços cruzados esperando que a diplomacia os salve. A hora de agir é agora.
Rasheed,
Li todos os artigos que você escreveu para o jornal "O Globo". Os textos são esclarecedores sobre a situação enfrentada pelos países árabes na atualidade, com informações preciosas de variadas fontes, o que dá maior credibilidade aos textos.No entanto, o artigo intitulado "Síria: para acabar o banho de sangue" é onde você manifesta sua opinião de forma mais direta, clara e contundente. Uma análise madura e corajosa de quem estuda e conhece o mundo árabe e seus problemas.Parabéns pelos artigos!
Alisson Costa