O primeiro ministro do Paquistao Nawaz Sharif, esquerdo, com o rei Salman da Arabia Saudita em Riade. (Foto SPA)
Por Rasheed Abou-Alsamh
Árabes não estão dependendo somente dos americanos para resolver seus problemas
Há anos um dos refrãos mais ouvidos nos bastidores do poder em Washington era: “por que os árabes não podem tomar a iniciativa para se defenderem, eles mesmos?” Isso depois de mais de uma década de ocupação do Iraque e Afeganistão pelos EUA e os gastos exorbitantes tanto em vidas como em dinheiro americanos. Seguindo tal conselho, os estados árabes do Golfo estão fazendo exatamente isso agora, primeiro com a intervenção militar saudita no Iêmen para reconduzir ao poder o presidente Abdo Rabbu Mansour Hadi; segundo, ao tentar derrubar Bashar al-Assad na Síria, com a ajuda da Turquia e do Qatar.
Após três semanas de bombardeios do Iêmen pelos sauditas, o país mais pobre do mundo árabe continua um caos, com a guerra civil fazendo faltar tudo: água, energia elétrica e comida. A Organização Mundial da Saúde diz que 648 pessoas já morreram e 2.191 foram feridas nas batalhas entre os rebeldes houthis e as forças leais a Hadi, além dos bombardeios.
Carros fazem filas por horas para se abastecer em postos onde ainda conseguem gasolina. Milhares de iemenitas têm fugido das cidades principais, alvo dos bombardeios, para se abrigar em seus vilarejos de origem ou até tentam a travessia perigosa do Mar Vermelho para chegar a Djibuti e Somália. Isso é irônico ao extremo, tendo em vista que, por muitos anos, o fluxo de imigração sempre foi no sentido contrário: africanos vinham para o Iêmen para tentar uma vida melhor na Península Arábica.
Com esse cenário desolador, observadores ficaram esperando uma invasão terrestre saudita para tomar o porto de Áden, no sul do país, com a ajuda de tropas egípcias. Isso não aconteceu ainda, mesmo depois de os bombardeios não conseguirem parar totalmente o avanço dos houthis dentro de Áden. Outro baque que os sauditas sofreram foi a iniciativa do primeiro-ministro paquistanês, Nawaz Sharif, de encaminhar ao Parlamento a decisão de mandar ou não tropas paquistanesas para ajudar os sauditas no Iêmen. O Parlamento paquistanês decidiu somente mandar tropas se o território saudita fosse ameaçado por forças iemenitas, deixando os sauditas e os Emirados Árabes Unidos atônitos com tamanha traição. Afinal de contas, mais de três milhões de paquistaneses trabalham no Golfo há décadas, mandando dinheiro para casa — recursos esses importantes para manter a economia do país em pé. Além disso, a Arábia Saudita concedeu um empréstimo de US$ 1,5 bilhão, sem juros, ao Paquistão no ano passado para fortalecer suas reservas internacionais e frear a depreciação da moeda nacional. E o reino deu asilo político a Sharif quando ele foi derrubado do cargo de primeiro-ministro em 1999 pelo general Pervez Musharraf. Sharif voltou ao Paquistão somente em 2008.
O ministro de Relações Exteriores dos Emirados Árabes, Anwar Gargash, desabafou, dizendo que a decisão do Parlamento paquistanês era “contraditória, perigosa e inesperada.” Ele acrescentou que o Paquistão tinha que “decidir a favor de suas relações estratégicas com o Conselho de Cooperação do Golfo ou ia pagar um preço muito alto.”
É claro que o Paquistão tem seus próprios interesses estratégicos e que, sendo um vizinho do Irã e com 30% de sua população sendo xiita, precisa ter cuidado em não incitar conflitos sectários em casa ou irritar os iranianos desnecessariamente. Mas o Paquistão tem uma longa tradição de fornecer tropas para defender países do Golfo, como o repórter Tom Hussein recentemente lembrou numa análise para a rede de jornais americanos McClatchy. Segundo ele, os paquistaneses mandaram soldados para defender a Arábia Saudita nos anos 1960 durante a guerra civil no Iêmen; enviaram milhares de tropas para o reino e outros países do Golfo na guerra entre o Irã e o Iraque nos anos 1980 e, de novo, em 1990, depois que Saddam Hussein invadiu o Kuwait. Em retribuição, os países do Golfo sempre deram muitos empregos a paquistaneses e, em 1998, forneceram 50 mil barris de óleo cru por dia ao Paquistão por dois anos, depois que o país sofreu sanções ocidentais por ter conduzido testes de bombas nucleares.
Uma vitória para a Arábia Saudita foi a aprovação pelo Conselho de Segurança da ONU, no dia 13 de abril, da resolução 2216, que pede o fim da violência praticada pelos houthis no Iêmen; que eles se retirem de todas as áreas que tomaram, inclusive na capital Sanaa; que desistam de qualquer provocação ou ameaça a estados vizinhos, incluindo a aquisição de mísseis terra-terra. A resolução pede ainda um embargo ao fornecimento de armamentos aos houthis e ao ex-presidente Ali Abdullah Saleh, que tem se aliado a eles.
A Arábia Saudita também está assumindo a liderança ao tentar achar uma solução para outro conflito na região: a guerra civil na Síria. De acordo com uma reportagem exclusiva do site “Huffington Post”, de 12 de abril, o reino está discutindo com a Turquia para intervir militarmente na Síria e tentar derrubar o regime de Assad. O Qatar está servindo de ponte entre os dois países, e o emir Sheikh Tamim Hamid al-Thani informou o presidente Barack Obama da iniciativa numa visita à Casa Branca em fevereiro. Os americanos se recusaram a comentar, mas Obama disse que trocou ideias com Sheikh Tamim sobre como derrubar Assad. De acordo com o site de notícias, se os sauditas e turcos acertarem os ponteiros, vão prosseguir na Síria com ou sem o apoio americano.
Ninguém pode prever com certeza absoluta o resultado dessa nova iniciativa dos países do Golfo no sentido de intervir no Iêmen e na Síria. Mas o que os críticos não poderão mais dizer é que os árabes do Golfo estão dependendo somente dos americanos para resolver seus problemas. Esses dias já se foram. Impulsionados pelo acordo nuclear entre o Ocidente e o Irã, os países do Golfo não estão esperando para ver o que vai acontecer com um Irã mais forte e livre de sanções.
http://oglobo.globo.com/opiniao/paises-do-golfo-tomam-iniciativa-15900347#ixzz3bxX7StpA
Comments
Leave a comment