O preço da gasolina na Arabia Saudita já subiu para poupar o governo do subsidio que da ao preço.
Por Rasheed Abou-Alsamh
Com o preço do petróleo a níveis baixíssimos — o Brent está a US$ 33,03 o barril —, os seis países membros do Conselho de Cooperação do Golfo (CCG) concordaram em introduzir um imposto sobre o valor agregado de mercadorias e serviços até 2017. Isso é revolucionário para uma região que nunca teve tal tipo de tributo, e que até hoje não tem Imposto de Renda. Essa falta de um imposto sobre a renda tornou os países do Golfo muito atrativos para profissionais estrangeiros, que podiam trabalhar por alguns anos na Arábia Saudita ou nos Emirados Árabes e acumular um bom dinheiro sem pagar tributo algum, inclusive nos seus países de origem.
Mas, com esse benefício, veio um contrato social implícito entre os governantes e seus cidadãos: em contrapartida por não pagarem impostos, os cidadãos, especialmente as elites e os comerciantes, iam deixar as famílias reais no poder administrar o Estado. Em troca, os governantes deram subsídios generosos a seus povos, que lhes permitiram desfrutar de um bom padrão de vida. Educação de graça até a universidade, atendimento médico gratuito e tarifas baixas de energia elétrica, água e gasolina foram regalias que essas populações ganharam. Em troca, os governantes pediram lealdade máxima e críticas mínimas. Mas, com esta crise econômica que começou ano passado, desencadeada pela queda rápida no preço do petróleo, os governos do Conselho de Cooperação do Golfo (CCG) tiveram que cortar gastos.
Na Arábia Saudita, o governo já anunciou que vai cortar este ano em até 25% gastos com a educação, uma área em que eles sempre investiram muitos recursos. Em outras áreas, o governo já subiu o preço da gasolina na bomba em 60% e aumentou as tarifas de energia elétrica e água também.
Mas os governos do Golfo têm visto que esses cortes e aumentos em preços não vão ser suficientes para acabar com o rombo nas contas. Mesmo cortando ou adiando projetos nos seus orçamentos, vários governos do Golfo ainda ficam no vermelho. E a Arábia Saudita está gastando muito dinheiro com a intervenção militar que lidera no Iêmen e com o apoio financeiro aos rebeldes na Síria. Isso sem contar com a ajuda bilionária que os países do CCG dão a regimes amigos como Egito, Jordânia, Marrocos e Sudão. Por isso, a introdução do imposto sobre mercadorias e serviços (ou VAT na sigla em inglês para Value Added Tax) é visto como tão importante.
O analista político dos Emirados Árabes Sultan Al-Qassemi não acha que os governos do Golfo vão ter que dar mais direitos democráticos a seus cidadãos depois de impor novos tributos. Para ele, a ameaça de instabilidade econômica provocada pela crise no preço do petróleo e pela crise de insegurança vindo dos ataques terroristas do Estado Islâmico na Arábia Saudita e no Kuwait são suficientes para assegurar a continuação da lealdade do povo.
“O colapso de vários países árabes e o surgimento do Estado Islâmico (EI) têm alimentado um senso de urgência no âmbito do CCG para isolar seus países do caos ao seu redor. Cidadãos do Golfo, assim, podem tolerar a possibilidade de ter um Imposto de Renda — ainda que a contragosto — se isso significar que seu ganha-pão seja protegido,” escreveu Al-Qassemi num artigo para o Middle East Institute, em Washington.
Mas, na verdade, nenhum governo do Golfo tem ousado falar em impor um Imposto de Renda, mas sim um imposto sobre consumo. “Não há nenhum plano para impor um Imposto de Renda sobre indivíduos,” disse o ministro de Finanças dos Emirados Árabes, Obaid Humaid Al Tayer, em dezembro 2015. “Fizemos um estudo para introduzir taxas sobre as remessas em dinheiro de trabalhadores estrangeiros nos Emirados Árabes, mas nenhuma decisão foi tomada ainda, porque precisamos ver o tamanho dessas remessas.”
O Fundo Monetário Internacional (FMI) vem advertindo os governos do Golfo de que eles precisam introduzir um sistema moderno de arrecadação. Eles veem isso como parte de um pacote de medidas fiscais que incluem aumentar os preços de energia doméstica, conter gastos recorrentes como salários de funcionários públicos e melhorar a eficiência dos investimentos do setor público. Num estudo apresentado numa cúpula de ministros de Finanças dos países do CCG em Doha, Catar, em novembro de 2015, o FMI destacou os benefícios que um imposto sobre o consumo de 3% a 5% traria aos países envolvidos. O fundo notou que as rendas do petróleo eram responsáveis por 70% a 95% das receitas totais dos seis países do CCG de 2011 a 2014. Por isso, aconselhou que esses governos aumentassem suas rendas não petrolíferas, apontando para o VAT como um bom meio de conseguir isso.
O estudo nota que alguns países do Golfo já têm impostos de consumo, como o Bahrein, que cobra uma taxa de 5% sobre estadias em hotéis e um imposto de 12% na venda de gasolina. E Omã tem um imposto de consumo de 2% na energia elétrica. Todos os países do CCG também cobram impostos de Previdência Social dos seus cidadãos.
O governo saudita já assegurou à sua população que o novo imposto de consumo não vai ser aplicado numa cesta básica de alimentos e remédios, num esforço para minimizar os efeitos negativos em cidadãos mais carentes.
O novo imposto sobre consumo vai ajudar muito a equilibrar os orçamentos fiscais dos governos do Golfo. O FMI estima que, se bem concebido, um VAT possa gerar até 2% do PIB (ou de 2,5% a 3,5% do PIB não petrolífero) em receitas no CCG, mesmo com as taxas relativamente baixas.
O FMI admite que, num primeiro momento, o imposto vá gerar inflação de até 4%, mas que, com o monitoramento dos governos envolvidos para conter possíveis abusos no aumento de preços, a situação voltaria rapidamente ao normal.
Essa coluna foi publicada no O Globo de 19 de março, 2016
http://oglobo.globo.com/opiniao/paises-do-golfo-enfrentam-crise-com-impostos-18704991#ixzz42irIv700
Comments
Leave a comment