Uma bomba israelense atinja a cidade de Gaza em julho 2014.
Por Rasheed Abou-Alsamh
É nesse círculo aparentemente infinito de vingança e contravingança que devemos inscrever o atual confronto
A ofensiva brutal de Israel contra alvos do Hamas em Gaza esta semana, depois que muitos mísseis foram lançados diariamente da faixa contra o Estado judeu, mais uma vez mostra uma batalha de David e Golias. É claro que Israel tem o direito de defender sua população de ataques, mas matar 78 palestinos e ferir 550 deles em somente três dias, com nenhum israelense morto, é nada equilibrado ou justo.
Tudo vem depois do sequestro dos três adolescentes israelenses no dia 12 de junho, que, depois de três semanas desaparecidos, foram encontrados mortos. O governo israelense imediatamente culpou o grupo palestino Hamas por isso e mandou prender mais de 400 palestinos — incluindo ex-prisioneiros do Hamas que Israel tinha libertado em 2011 em troca do soldado israelense Gilad Shalit — e derrubar a casa de uma família de palestinos na Cisjordânia, conhecidos simpatizantes do Hamas, por supostamente terem participado do sequestro. Mas, até hoje, Israel não apresentou nenhuma prova que culpe o Hamas.
O governo de direita do primeiro-ministro israelense, Benjamin Netanyahu, em vez de acalmar os ânimos, deixou as vozes mais antiárabes soarem alto, e grupos de judeus dos assentamentos (ilegais, por sinal) na Cisjordânia percorriam as ruas de Jerusalém procurando palestinos para atacar. A polícia israelense teve que intervir e prender vários desses arruaceiros. Infelizmente o jovem palestino Mohammed Abu Khudair, de 16 anos, não teve sorte. No dia 2 de julho ele foi apanhado à força na rua por extremistas judeus. O corpo dele foi encontrado depois totalmente carbonizado, constando no laudo cadavérico que ele foi obrigado a beber gasolina antes de ser incendiado.
É nesse círculo aparentemente infinito de vingança e contra-vingança que devemos inscrever o atual confronto entre Israel e os palestinos. Isso não veio do nada. Muitos brasileiros infelizmente acreditam somente no lado israelense em tudo isso, não tendo tempo nem paciência em estudar o conflito um pouco mais em detalhe. E Israel, com sua narrativa falsa de sempre ser a vítima, e de ser a única democracia no Oriente Médio, ganha apoiadores nos Estados Unidos e no Brasil, que não veem que essa narrativa tenta apagar a historia e presença do povo palestino.
É lamentável que ainda haja pessoas nesse mundo que insistam em negar a existência do povo palestino. Mas foi isso que o ministro aposentado do Superior Tribunal Militar Flavio Flores da Cunha Bierrenbach postulou em seu texto na “Folha de S.Paulo" de 6 de julho de 2014.
É pouco dizer que eu fiquei atônito ao ler isso. Qualquer pessoa que tem um mínimo de informação sobre o Oriente Médio sabe que a luta dos palestinos por um Estado independente existe há mais de 60 anos e que a Independência de Israel, em 1948, forçou pelo menos 700 mil palestinos fora dos seus vilarejos, a maioria com violência, os outros com dinheiro e ameaças. Meu colega José Antônio Lima escreveu uma ótima réplica a Bierrenbach no site da Carta Capital no dia seguinte. “Surpreende que, deste lado do Atlântico, pessoas ainda fomentam certo tipo de ideia que, no limite, flerta com o racismo e, no mínimo, atrapalha a busca pela paz,” afirma Lima.
O sonho de uma solução de dois estados, um judeu e um palestino, livres e independentes, lado a lado, está se desfazendo cada vez mais com o constante crescimento dos assentamentos judeus na Cisjordânia, território ocupado por Israel desde a guerra de 1967, e que formaria a maior parte de um Estado palestino. É só olhar um mapa colorido de Israel e da Cisjordânia de 2000 para cá para ver um mar de vermelho comendo o território palestino, os assentamentos tomando as terras mais férteis e controlando os recursos hídricos. Na verdade, os israelenses da direita não querem ver um estado independente palestino. Eles estão contentes em morar atrás de muros de contenção, alheios à situação patética da população palestina, que é humilhada diariamente pela ocupação israelense, que controla tudo que entra e sai dos territórios. A Cisjordânia e Gaza são tratadas como colônias que Israel nunca quis ter.
A vida para os palestinos na Faixa de Gaza é ainda pior. Lá os túneis vindos do Egito que traziam remédios, gasolina, maquinário e até fast-food, burlando o virtual bloqueio ao qual Israel sujeita o território, agora estão 95% bloqueados, depois que a Irmandade Muçulmana foi derrotada no Egito no ano passado. Isso exacerba os ânimos anti-israelenses e, junto com a prisão de vários membros do Hamas por Israel, explica a nova onda de mísseis alvejando Israel.
Israel deveria sentar e dialogar com o Hamas e a Autoridade Palestina de Mahmoud Abbas. Excluir o Hamas não leva a nada, a não ser a mais confronto e mais violência. Temos que diminuir a violência e a tensão e parar de ter negociações intermináveis para uma paz que nunca chega. Os israelenses têm que ser pressionados a dar concessões de verdade para os palestinos. Somente os EUA podem fazer isso, mas, infelizmente não acho que os americanos queiram ou possam num futuro próximo. Sem essa pressão, e com os israelenses ameaçando invadir Gaza de novo, podemos estar entrando para uma terceira intifada.
http://oglobo.globo.com/opiniao/os-palestinos-nao-sao-fantasmas-13213700#ixzz384GwZ4HF
Leiam aqui a resposta fraca do embaixador de Israel no Brasil Rafael Eldad: http://oglobo.globo.com/opiniao/nos-so-buscamos-paz-13281623
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