Vitima do ataque de gás sarin é lavado com água para tirar a substancia química, em Khan Shaykhoun.
Esta coluna foi publicada no O Globo de 14/04/2017
De acordo com Charles Lister, estudioso do Middle East Institute, nos EUA, há pelo menos 75 mil rebeldes moderados na Síria
Por Rasheed Abou-Alsamh
Desde a retaliação americana na semana passada por um ataque com armas químicas lançado pelo regime de Bashar al-Assad contra seus próprios cidadãos em Khan Shaykhoun, um reduto da oposição — matando mais de oitenta pessoas, incluindo crianças — vários comentaristas insistem em propagar a mentira de que não existe uma oposição moderada na Síria.
No raciocínio dessas pessoas, Assad, sendo secular e visto como um protetor de minorias religiosas no país, é a única pessoa que pode manter a Síria unificada e a salvo das barbaridades dos extremistas do Estado Islâmico e daqueles grupos de rebeldes islamitas como Jabhat Fatah al-Sham. Para essas pessoas, não importa que o regime de Assad tenha matado milhares de civis sírios usando bombas de barril, só porque eles moravam em áreas controladas pelos rebeldes.
Mas Bashar, seguindo os passos sanguinários do seu pai, Hafez, que matou de 20 mil a 40 mil sírios na cidade de Hama em 1982, durante a repressão de um levante liderado pela Irmandade Muçulmana, também tem o sangue de milhares sírios nas suas mãos. Sírios mortos nessa guerra civil que começou em 2011, matou 470 mil pessoas e produziu mais de cinco milhões de refugiados.
A reticência do presidente Barack Obama em envolver tropas americanas em mais um conflito árabe o deixou dando um ultimato a Assad em 2012, de que se ele atravessasse a linha vermelha usando armas químicas, os EUA iriam intervir militarmente. Mas, em agosto de 2013, as forças de Assad usaram armas químicas em cidades ao redor da capital Damasco, matando pelo menos 1.200 pessoas. Obama jurou que ia reagir energicamente, mas o Congresso americano não deu seu apoio, e Obama perdeu a coragem.
Sob pressão americana e russa, Assad deu seus estoques de armas químicas para a ONU destruir em 2014, depois que a Síria assinou a Convenção Internacional sobre a Proibição de Usar Armas Químicas, em 2013. Mas, aparentemente, não entregou todo seu estoque, deixando gás sarin para ser usado na semana passada. O presidente Donald Trump, apesar de ter aconselhado Obama por anos a não atacar a Síria, puxou o gatilho e autorizou o lançamento dos 59 mísseis Tomahawk contra a base aérea síria de Al-Shayrat.
Mas, voltando para os rebeldes moderados, de acordo com Charles Lister, um estudioso do Middle East Institute, em Washington, há pelo menos 75 mil rebeldes moderados na Síria. “Fazendo um total de 75 mil combatentes, essas 105-110 facções representam amplamente o que hoje pode se chamar como ‘moderado’ no contexto da Síria. Isso quer dizer que são explicitamente nacionalistas em termos da sua visão estratégica; que eles são locais em termos de adesão; e que procuram um retorno ao status histórico da Síria como uma nação harmonicamente multissectária em que todas as etnias, seitas e gêneros gozam de uma condição igual perante a lei e o Estado,” escreveu Lister na revista “Spectator”, em 2015.
Mas, mesmo assim, os apoiadores de Assad, desde os russos aos migrantes árabes cristãos no Brasil, insistem em propagar essa mentira de que não há oposição democrática e moderada ao regime sírio.
“Pintar a oposição ao regime de Assad como sendo unicamente constituída por jihadistas, como a al-Qaeda, não só invisibiliza boa parte da rebelião popular e da sociedade civil síria — também muito ativa na contestação —, mas também constitui uma tática deliberada usada pelo presidente sírio desde o início das manifestações para desacreditar seus opositores,” disse-me Cecilia Baeza, professora de Relações Internacionais na PUC-SP, em uma entrevista.
“Assad sabia que o ‘terrorismo islâmico’ sunita representa o maior temor das sociedades ocidentais, e essa retórica, hoje retomada pelos defensores do regime, lhe permitiu se apresentar como um ‘aliado’ na ‘guerra global contra o terror,’” explicou Baeza.
“Não se trata de minimizar a presença de movimentos jihadistas entre os grupos armados. A organização do Estado Islâmico e a Frente Al Nosra (hoje chamada Jabhat Fatah al-Sham) estão atuando na Síria. Mas é importante ressaltar que o objetivo deles não coincide com a maioria da oposição síria que, com frequência, os confronta militarmente,” disse Baeza.
A oposição síria está fragmentada, e talvez por isso alguns detratores usam esta condição para tentar desacreditá-la. Mas, com tanto sangue derramado por Assad e seu regime, é impossível achar que ele vai ter um papel numa Síria pós-guerra. O apoio maciço dos russos e iranianos a Assad somente serve para prolongar o sofrimento do povo sírio.
“Pensar numa transição política na Síria é muito complexo. A oposição está fragmentada e não consegue expor um projeto claro para o futuro. Porém, pensar que é possível manter um processo político incluindo Assad na equação é totalmente ilusório. Depois de tantos crimes de guerra, manter o tirano só pode prolongar a violência,” concluiu Baeza.
Eu concordo plenamente.
Leia mais sobre esse assunto em http://oglobo.globo.com/opiniao/oposicao-siria-moderada-existe-sim-21207285#ixzz4fBqkruZ6
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