Membros da comunidade houthi gritam slogans num protesto em Sanaa em setembro de 2014. (foto Reuters)
Esta é minha coluna que foi publicada no O Globo de 03/10/2014:
Por Rasheed Abou-Alsamh
O que os iemenitas realmente precisam agora é de uma liderança política para tirar o país do buraco
A ocupação da capital do Iêmen, Sanaa, pelos rebeldes houthis, que são xiitas, duas semanas atrás, deixou a Arábia Saudita surpresa e ansiosa com o que vai acontecer lá. Afinal, o Iêmen tem uma fronteira extremamente porosa de 1.770 quilômetros com a Arábia Saudita e 800 mil iemenitas trabalham no reino. O Iêmen abriga o grupo terrorista al-Qaeda na Península Árabe (AQPA), formado principalmente por sauditas forçados a deixar a Arábia Saudita e procurar abrigo nas montanhas do país vizinho.
Infelizmente, parece que toda a atenção ocidental está atualmente focada na campanha de bombardeio pelos EUA e seus aliados do Golfo às forças do Estado Islâmico no Iraque e na Síria. No entanto, a atual instabilidade no Iêmen, que pairava sobre o país anos antes da derrubada do antigo presidente Ali Abdullah Saleh, no fim de 2011, fez com que as montanhas iemenitas continuassem como um terreno fértil e ótimo esconderijo para os terroristas da al-Qaeda.
Os rebeldes houthi, que são oriundos de Saada, no Norte, têm lutado contra as forças do governo durante anos, tentando conseguir uma fatia maior do poder. Eles usaram o atual descontentamento popular com um aumento dos preços de petróleo para ganhar a simpatia do público e parecer estar ao lado do povo. Mas têm feito um jogo violento e dúbio, agindo de uma maneira em Sanaa e de outra completamente diferente em sua província. Escrevendo no “Al-Monitor”, Maysaa Shuja al-Deen afirma que em Saada os houthis proíbem a música e fazem suas mulheres ficarem em casa, enquanto em Sanaa eles apoiam as demandas do movimento feminista, incluindo a exigência de ter uma cota fixa de participação feminina na política. Isso cheira a oportunismo, o que é perigoso e enganador, para dizer o mínimo. Sem mencionar a violência e as ameaças de violência que os houthis estiveram dispostos a usar enquanto conquistavam bases militares em Sanaa.
A recusa dos houtis a desistir das armas e tanques que eles roubaram das bases militares — como solicitado pelo presidente Abd Rabbu Mansour Hadi depois que ele assinou o acordo de paz concordando com suas reivindicações de compartilhar o poder com eles — é extremamente preocupante. Isso na medida em que, talvez, seja prova que os houthis não querem dividir o poder. Mas seria um erro enorme, de que certamente eles estão conscientes, uma vez que os houthis são uma minoria e o resto do Iêmen é de maioria sunita.
O que os iemenitas realmente precisam agora, além de toda a ajuda econômica e militar que EUA, UE e o Conselho de Cooperação do Golfo (CCG) estão dando, é de uma liderança política para tirar o país do buraco escuro em que caiu. A parte sul do país tem se agitado por algum tempo, dizendo que quer se separar novamente do Norte, e a parte oriental do país é uma área sem lei, onde os terroristas do AQPA mantêm o domínio e o governo central não se atreve a entrar.
O ministro das Relações Exteriores da Arábia Saudita, o príncipe Saud al-Faisal, advertiu num discurso na ONU em Nova York, na semana passada, que a Arábia Saudita vê “a falta de implementação do acordo de paz pelos houthis como uma ameaça à segurança do Iêmen, e que isso ameaça a estabilidade regional e a internacional, requerendo que todos proponham as soluções necessárias para confrontar esses desafios sem precedentes”.
Analistas acham que isso foi uma referência clara à suposta interferência iraniana no Iêmen, na forma de ajuda militar para os rebeldes houthis, uma coisa que, até agora, nunca foi confirmada nem pelos houthis nem pelos iranianos. Mas o “New York Times”, em março de 2012, citou fontes militares de inteligência americanas dizendo que as forças de al-Quds, o grupo de elite da Guarda Revolucionária Iraniana, estavam contrabandeando quantidades significativas de armas para os houthis no Iêmen. Depois, em janeiro de 2013, a CNN informou que uma boa quantidade de armas, com marcas iranianas, foi encontrada escondida dentro de um navio perto do Iêmen, supostamente destinada aos houthis. Para adicionar lenha ao fogo, três agentes da Guarda Revolucionária Iraniana e dois do Hezbollah libanês, todos presos no Iêmen, foram recentemente libertados depois que os houthis conquistaram o poder. O jornal saudita “Asharq al-Awsat” noticiou que esses agentes estão no Iêmen para ajudar os houthis a consolidar seu controle de Sanaa.
Se o Irã conseguisse uma ponte com o Iêmen por meio dos houthis, seria um pesadelo para os sauditas, que farão de tudo para que isso não aconteça. Até agora, não sabemos as reais intenções e nem as demandas dos houthis. Eles se mostraram sábios em saber parar e não derrubar o fraco presidente Hadi, mas também não estão deixando a capital, como tinham prometido.
A culpa desse impasse politico é a falta no Iêmen de uma boa liderança política. A ganância e a sede pelo poder, juntamente com a corrupção e o nepotismo, são o que têm caracterizado a política do Iêmen nas últimas três décadas. Isso, junto com um caso virulento de tribalismo, permitiu que as tribos do Norte monopolizassem o poder político em Sanaa por tempo demais. O CCG tentou negociar a saída pacífica de Saleh em 2011, mas ele repetidamente se recusou a assinar os acordos estabelecidos, e quando, finalmente, deixou o poder, lhe foi dada imunidade e ele ficou no país. Isso foi um grande erro na mente de muitos iemenitas, que queriam ver Saleh punido por seus excessos e corrupção ou, no mínimo, exilado. Em vez disso, ele permaneceu no país, livre para comandar as forças políticas e militares leais a ele e, como tal, semear a discórdia que, em grande parte, levou ao fracasso da liderança de seu sucessor, o presidente Hadi.
O Iêmen realizou uma Conferência de Diálogo Nacional, que terminou em janeiro deste ano, em que participantes políticos concordaram com a necessidade de novas eleições e, sobretudo, com a criação de uma forma federal de governo a fim de delegar mais poder para as províncias. Infelizmente, nada foi feito sobre isso. As eleições continuam sendo adiadas e o Iêmen se vê nesse impasse espantoso com os houthis. A Arábia Saudita e os outros países do CCG vão ter que exercer uma liderança política muito forte se não quiserem ver o Iêmen desmoronar em um caos do qual o Irã pode tentar tirar proveito.
Leiam meu artigo aqui: http://oglobo.globo.com/opiniao/o-perigoso-jogo-dos-houthis-no-iemen-14120945#ixzz3FypYj9RY
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