O ativista Ahmed Abdul Khaleq foi deportado dos Emirados Arabes para a Tailândia. (Foto Reuters)
Essa minha coluna foi publicada no O Globo de 10/08/2012:
Rasheed Abou-Alsamh
No Brasil, a maioria das vezes em que falo para alguém que já morei no Oriente Médio, registro a mesma reação: “Ah, você conhece Dubai? Meu sonho é conhecer esta cidade!”
Eu fico atônito com esse entusiasmo com uma cidade que somente 25 anos atrás não tinha arranha-céus e era famosa por seus barcos tradicionais, chamados de “dhows”. Mas o Dubai, um dos sete emirados que compõem os Emirados Árabes Unidos, sem o petróleo do seu vizinho Abu Dhabi, que é a capital federal, teve que se tornar um centro de comércio e empreendedorismo internacional para sobreviver.
Hoje, a cidade tem o prédio mais alto do mundo, o Burj al-Khalifa, shoppings gigantescos com todas as marcas de luxo, e uma companhia aérea, a Emirates, que já foi, merecidamente, votada várias vezes a melhor e mais eficiente linha aérea do mundo.
No mundo árabe, Dubai tem sido um ímã para muitos profissionais sufocados pelas restrições sociais e religiosas em seus países de origem, atraídos pela relativa liberdade de viver as suas vidas lá, como bem entenderem.
Dubai não tem os policiais religiosos notórios da Arábia Saudita para empurrar os fiéis para rezar na mesquita cinco vezes ao dia, ou para checar os papéis de casais jantando em restaurantes, para ter certeza de que são casados uns com os outros. Sem contar com o fácil acesso às bebidas alcoólicas em bares e boates para aqueles que gostam de beber — outra coisa proibida na Arábia Saudita.
Mas é na questão de falta de participação política dos emiratis que a coisa fica feia. O país é uma federação de monarquias absolutas. Eles decidem entre si quem vai ser o presidente e vice- presidente do país a cada cinco anos. Há uma legislatura, o Conselho Nacional Federal, com somente 40 membros de todos os emirados, metade deles nomeada e a outra metade eleita por um grupo restrito de apenas 130 mil eleitores de ambos os sexos.
Até 2006, somente 1.600 cidadãos podiam votar. Apenas 13% da população dos Emirados Árabes, de um total de um pouco mais de oito milhões, são emiratis. O restante são estrangeiros vindos de outros países árabes, Ásia, África, Europa e Américas para trabalhar no país. Em contraste, o vizinho, a Arábia Saudita, tem tido eleições municipais desde 2005, abertas a todos os homens sauditas, maiores de idade, sem restrição. E, ano passado, o rei Abdullah anunciou que mulheres sauditas iam ter o direito de votar nas próximas eleições municipais, em 2015. Não que o povo saudita tenha tanto poder político assim, mas pelo menos não há discriminação de decidir quem vai poder votar.
Esses fatos e os levantes recentes em vários países árabes têm tido uma ressonância nos poucos ativistas políticos nos Emirados Árabes, que têm pedido a seus governantes uma voz maior no futuro rumo do país. As demandas por um Parlamento com poderes maiores e o direito de todo cidadão emirati poder votar em eleições não foram bem recebidos.
Desde março deste ano, 50 ativistas foram detidos, 35 destes somente em julho. As autoridades os acusaram, muitos deles islamistas, de tentar formar um grupo no estrangeiro para derrubar o governo dos Emirados Árabes.
E tivemos a visão bizarra do chefe de Polícia do Dubai, o Dahi Khalfan, entrar recentemente num bate-boca no Twitter com o xeque Yusuf al-Qaradawi — um líder religioso egípcio que mora há anos no Qatar, por ser um membro da Irmandade Muçulmana — sobre como ele nunca deixaria simpatizantes da Irmandade nos Emirados Árabes conseguirem poder ou um espaço para se estabelecerem.
O destino do ativista e blogueiro Ahmed Abdul Khaleq, que nasceu nos EAU e morou lá a vida inteira, mas faz parte da comunidade dos “bidun”— ou aqueles que não têm cidadania emirati — é um dos mais tristes. No dia 16 de julho, ele foi deportado para Bangcoc, na Tailândia, usando um passaporte das Ilhas Comores. “Eu nunca viajei antes para fora do país na minha vida”, disse o ativista de 35 anos ao jornal britânico “The Independent”. “Eu não conheço ninguém lá, eu vou ser um estranho na Tailândia.” A família conseguiu juntar um dinheirinho para ele não passar fome.
As ONGs de direitos humanos Human Rights Watch e Anistia Internacional têm pedido ao governo dos Emirados para libertar todos os detidos.
A verdade é que ativistas de cunho islamista têm sido dos mais ativos dentro do movimento democrático, tanto na Arábia Saudita quanto nos Emirados Árabes. A razão é simples, já que em nome da religião eles tiveram mais liberdade para se organizar em grupos de estudo e discussões. E, mais importante, eles têm sido os mais dispostos a enfrentar as monarquias conservadoras para pedir que dividam mais o poder.
Os Emirados Árabes Unidos, compreensivelmente, querem salvaguardar seus avanços econômicos e sociais, porém, prender ativistas — que nunca pediram a derrubada do governo atual — não é o caminho para fazê-lo. Deixar todos os cidadãos votar em eleições, expandir o Parlamento e dar-lhe poderes de verdade, isso sim iria satisfazer a sede do povo de ter uma participação de peso no seu próprio futuro.
O líder do emirado de Sharjah já prometeu que os detentos não vão ser maltratados, e disse que uma boa surpresa aguarda os ativistas no Eid, a celebração que marca o fim do Ramadã, daqui a oito dias, quando prisioneiros são habitualmente perdoados pelo presidente. Tomara que aconteça.
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