Mohammed Morsi, na esquerda, e Ahmed Shafiq
Esse é minha coluna que foi publicada no O Globo de 1 de junho, 2012:
Rasheed Abou-Alsamh
Os resultados das primeiras eleições presidenciais egípcias verdadeiramente democráticas, nos dias 23 e 24 de maio, mostrando o candidato da Irmandade Muçulmana, Mohammed Morsi, e o candidato ligado ao antigo regime do Hosni Mubarak, Ahmed Shafiq, vitoriosos no primeiro turno, deixarammuitos egípcios perplexos e furiosos com a perspectiva de que os sacrifícios feitos por manifestantes ao longo do ano passado possam resultar em vão.
No final da contagem, Morsi ficou com 5.578.760 votos, ou 25%; Shafiq ficou com 5.333.840 votos (24%); o esquerdista Hamdeen Sabahi ficou com 4.670.939 votos (21%); o islamista liberal Abdel Moneim Aboul Fotouh ficou com 3.919.727 (18%); em quinto lugar ficou o ex-secretário-geral da Liga Árabe, Amr Moussa, com 2.391.214 votos (11%).
De fato, muitos ficaram surpresos com o péssimo desempenho de Moussa, porque, em quase todas as sondagens de opinião pública feitas antes do primeiro turno, ele figurava em primeiro ou segundo lugar. A grande surpresa dessa eleição foi o nasserista Sabahi, que surpreendeu todo mundo com um desempenho excelente nas urnas, chegando em terceiro lugar. Ele era o candidato azarão, em quem muitas pessoas não prestaram atenção. Para muitos eleitores ele era o único candidato não islamita e não ligado ao velho regime que podia salvaguardar as realizações da revolução de 25 de janeiro de 2011.
Agora, os eleitores são confrontados com uma escolha nada agradável no segundo turno, em 16 e 17 de junho, entre Morsi — que, com a maioria que o Partido de Justiça e Liberdade da Irmandade já tem no Parlamento, ameaça sufocar o país com um Estado islâmico — e Shafiq, um ex-militar que foi o derradeiro primeiroministro de Mubarak antes de sua queda, e que não é nenhum amigo da revolução.
O choque de ter que enfrentar esta escolha tão terrível deixou muitos ativistas jovens abalados, e alguns quase histéricos. Uma jovem postou o seguinte no Twitter dela: “Por que Aboul Fotouh e Sabahi não juntaram suas candidaturas, em vez de dividir o voto progressista? Eu amaldiçoo ambos!” Um outro ativista disse, também no Twitter, que queria se mudar do Egito porque não aguentava viver num país com qualquer um dos dois vitoriosos como presidente.
Essa avalanche de preocupações forçou Morsi a declarar que haveria mulheres e cristãos no governo dele, e enfatizou que não ia impor a Sharia, a lei islâmica, e tampouco forçar as mulheres a se cobrir em público. Shafiq também se viu obrigado a declarar que apoia a revolução e que ia devolvê-la à juventude. “Eu prometo a todos os egípcios que vou começar uma nova era. Não vamos voltar ao passado. Não queremos reproduzir o antigo regime. O passado está morto”, disse Shafiq.
Os eleitores têm no segundo turno uma nada agradável escolha
Ambos os islamistas e os políticos ligados ao velho regime de Mubarak têm reputação de não cumprirem promessas. Os islamistas prometeram não dominar o Parlamento, e depois de ganhar mais de 56% dos assentos encheram a Assembleia Constitucional, encarregada de redigir uma nova Constituição, coisa que ainda não completaram. Isso levou a uma paralisação dos trabalhos até uma nova composição ser acordada.
Muitos boatos voaram imediatamente depois da contagem dos votos, dando conta que Sabahi e Aboul Fotouh apoiariam a candidatura de Morsi, e que eles podiam ser escolhidos como vice-presidentes. Os dois negaram que irão apoiar Morsi, mas a possibilidade de o vencedor formar um governo de coalizão com a integração dos seus concorrentes ainda existe. No sistema político egípcio, o presidente, que é eleito, tem o direito de nomear mais de uma pessoa para atuar como seu vice. Isso em teoria deixari a porta aberta para quem ganhar a eleição nomear um cristão, uma mulher, um islamista e um nacionalista para esses cargos.
Mas os progressistas não estão deixando nada acontecer por acaso. Forcas políticas liberais e esquerdistas se uniram esta semana, incluindo o Moussa e o também derrotado candidato à Presidência Khaled Ali, para formular um documento de penhor com 12 ações para proteger a revolução e o Estado civil. É esperado que os dois candidatos restantes para a Presidência publicamente aceitem o documento, que vai, entre outras coisas, insistir que cada postulante anuncie, antes do segundo turno, as suas equipes, incluindo o nome do futuro primeiro-ministro, e que se comprometam a construir um governo de coalizão que inclua mulheres, cristãos e representantes da juventude.
Em cima de tudo isso, resta ainda à Corte Constitucional dar um parecer sobre uma lei de cassação de direitos políticos que passou pelo Parlamento em abril e foi aprovada pelo Supremo Conselhodas Forças Armadas. A lei prevê a inelegibilidade de qualquer oficial de alto escalão que tenha exercido cargo nos últimos dez anos do governo de Mubarak. Se a lei for mantida, bloqueará o caminho da Presidência para Shafiq, já que ele foi o último primeiro-ministro do presidente deposto.
A indefinição quanto à possibilidade de Shafiq ficar inelegível e os poderes da Presidência ainda indefinidos por causa da falta de uma nova Constituição deixam a situação política e econômica num quadro de incerteza que não é nada bom para o futuro do Egito.
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