Khayrat al-Shater, o candidato para presidente da Irmandade.
Essa e minha coluna que foi publicada no O Globo de 6/4/2012:
Rasheed Abou-Alsamh
De dentro do caos dos levantes da Primavera Árabe, ao longo de mais de um ano agora, os islamistas vêm se saindo vitoriosos. Do Marrocos à Tunísia, e agora no Egito, eles estão conquistando a maioria dos assentos parlamentares em eleições democráticas e livres. Mas é nessa etapa de glória que também estão enfrentando um dilema, quase existencial: ser conservadores e rígidos no seu islamismo, ou ser pragmáticos e construir alianças com outros partidos não-islamistas?
A Irmandade Muçulmana no Egito é talvez o grupo islamista árabe que mais sente esse desafio. Fundada em 1928, foi banida pela primeira vez em 1948, quando estimam que ela teria meio milhão de participantes. Em 1954 foi banida, de novo, pelo presidente nacionalista Gamal Abdel Nasser. Nas décadas seguintes seus associados foram brutalmente reprimidos pelo estado, presos, torturados e desaparecidos.
A matança de milhares de pessoas na Argélia, depois que em 1991 os islamistas locais ganharam a maioria dos assentos na primeira rodada de eleições parlamentares (os militares cancelaram o resultado), também assustou o mundo árabe.
O caso do grupo islamista palestino Hamas, que governa a Faixa de Gaza desde junho de 2007, também provoca dúvidas sobre o nível de sucesso que um governo do gênero pode atingir na região, devido à grande resistência contra esse tipo de ideologia por parte de Israel e do Ocidente. Formado como filial da Irmandade Muçulmana egípcia em 1987, o Hamas sempre foi um grupo de pensamento conservador e totalmente contra qualquer tipo de paz com Israel. Isso tem tornado a vida do Hamas muito difícil, com embargos econômicos e políticos pelos Estados Unidos e a União Europeia, que o classificam como organização terrorista.
Em contrapartida, a Cisjordânia é governada pelo Fatah, liderado pelo presidente palestino Mahmoud Abbas, laico e muito mais disposto a negociar com os israelenses e os americanos. Apesar das muitas restrições impostas na Cisjordânia por Israel, e das inúmeras colônias judaicas, a área é muito mais calma do que a Faixa de Gaza, e consequentemente a sua população palestina sofre menos do que seus parentes em Gaza.
Percebendo o tamanho do apoio popular que os islamistas acumulam no mundo árabe, EUA e Israel tentam se aproximar
O modelo da Turquia, que é uma república secular desde 1923, mas que desde 2002 tem tido um primeiro-ministro islamista, Recep Tayyip Erdogan, do Partido de Justiça e Desenvolvimento, é frequentemente citado como exemplo de união do islamismo moderado à democracia. Mas o fundador da República, Mustafá Kamal Ataturk, agiu brutalmente contra os islamistas, banindo o véu das mulheres em sua tentativa de modernizar a Turquia a qualquer custo — coisa que nunca ocorreu num país árabe.
O professor de relações internacionais na Universidade de Tufts nos EUA, Malik Mufti, recentemente escreveu sobre como transformar a Síria numa democracia em que os nacionalistas- laicos se equilibravam com os islamistas. Para tanto, ele acha que seria necessário um tipo de acordo entre as forças laicas e os islamistas, como ocorreu na Turquia, com todos empenhados na aceitação de sistema político diverso e pluralista; afirmando o povo como a fonte de autoridade política; e adotando mecanismos democráticos como partidos políticos e eleições regulares.
Eu vejo limites nessa empreitada porque a democracia cresceu na Turquia em circunstâncias bem especificas. A Turquia é um membro da Otan desde 1952, inicialmente como baluarte contra a expansão da influência da União Soviética no Oriente Médio durante a Guerra Fria. Isso foi crucial para modernizar, treinar e profissionalizar as forças armadas turcas, que são a segunda maior força na Otan depois dos EUA. Participaram de pelo menos quatro golpes contra governos civis, que entendiam estar saindo dos trilhos democráticos e laicos.
Mufti acha que os militares turcos conseguiram não descarrilhar a democracia na Turquia. O problema que eu vejo nesse na transposição desse modelo para o Egito é que suas Forças Armadas, atualmente no poder, infelizmente não são tão profissionais como é o caso das turcas, e não detêm a confiança de uma boa parte do eleitorado, que pensa que eles querem se manter no poder — nos bastidores de um presidente civil a ser eleito em maio.
Alguns integrantes da Irmanande no Egito admitiram ter receio dos “perigos” que podem vir com o poder. Eles não querem provocar uma guerra com Israel ou os EUA. Mas, também, os EUA e Israel não são estúpidos. E, percebendo o tamanho do apoio popular que os islamistas têm acumulado no mundo árabe, estão tentando se aproximar deles. Resta ver como as cartas serão jogadas, dos dois lados.
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