Mohammed Emwazi, encapuzado a esquerda num video do Estado Islamico, e antes de afiliar-se ao grupo.
Então, afinal quem seria esse matador sanguinário?
Essa é minha coluna que foi publicada no O Globo de 06/03/2015:
Por Rasheed Abou-Alsamh
Semana passada, o “Washington Post” declarou que tinha descoberto a verdadeira identidade do notório assassino brutal do Estado Islâmico chamado de Jihadi John pela imprensa britânica, por causa de seu sotaque londrino, que ouvíamos nos vídeos macabros em que ele degolava os supostos inimigos do EI. Todo vestido de preto, com um gorro cobrindo a cabeça inteira, exceto por uma abertura nos olhos, Jihadi John sempre aparecia nos vídeos assim, de pé, com uma faca na mão, suas vítimas de joelhos no chão, vestidas com macacões cor de laranja para fazer lembrar os uniformes que os militares americanos obrigam os prisioneiros a usar em Guantánamo.
Vale aqui se lembrar de suas vítimas, todas capturadas na Síria enquanto ajudavam refugiados da guerra civil ou faziam cobertura jornalística do conflito. Primeiro foi o jornalista americano James Foley, degolado no dia 19 de agosto de 2014; Steven Sotloff, também jornalista americano, foi morto em 2 de setembro; depois foi o agente humanitário britânico David Haines, em 13 de setembro; em seguida, o taxista britânico Alan Henning, que levava ajuda humanitária para a Síria, em 3 de outubro de 2014; o agente humanitário americano Peter Abdul Rahman Kassing, em 16 de novembro; e, finalmente, os japoneses Haruna Yakuna e Kenji Goto Jogo, ambos em janeiro de 2015.
Então, afinal quem seria esse matador sanguinário? Segundo relatos da imprensa e da ONG britânica Cage, que ajuda prisioneiros da guerra ao terror, Jihadi John, de 27 anos, é Mohammed Emwazi, nascido no Kuwait de pais de origem iraquiana, mas sem nacionalidade alguma na época, parte do grupo que chamam de bidoon. Aos 6 anos, ele imigrou com os pais para a Grã-Bretanha e eles se tornaram cidadãos britânicos. Fluente em árabe e inglês, pelos relatos foi um bom estudante, de classe média, e fez faculdade de Ciências da Computação na Universidade de Westminster, em Londres, formando-se em 2009.
Logo depois, em agosto de 2009, ele e alguns amigos, todos muçulmanos, viajaram para a Tanzânia sob o pretexto de fazer um safári por um mês. Assim que desceram do avião no país, foram detidos pela polícia e mantidos numa delegacia por 24 horas antes de serem deportados de volta para a Europa. Desembarcando em Amsterdã, foram parados de novo por agentes de segurança holandeses e levados para uma sala de interrogatório, onde agentes do serviço secreto britânico MI5 os esperavam. Lá, foram questionados sobre a verdadeira razão de sua viagem. O MI5 disse que eles estavam a caminho da Somália para se juntar ao grupo extremista Al-Shabab. Emwazi negou essa acusação, e os agentes britânicos disseram: “Nos vemos de novo na Inglaterra.”
Depois disso, Emwazi ficou na mira do MI5, mesmo quando se mudou para o Kuwait, onde arrumou um bom emprego e uma noiva. Retornando em 2010 para Londres para visitar os pais, foi questionado pela imigração na sua chegada ao Aeroporto de Heathrow, e anotaram os seus dados. Voltando para o Kuwait, Emwazi ficou noivo e retornou a Londres em julho 2010 para anunciar o fato. Quando tentou voltar para o Kuwait, depois de somente uma semana em Londres, foi impedido de deixar o país e levado por agentes do MI5 para um interrogatório pesado no próprio aeroporto. Lá, eles o intimidaram e um policial tentou estrangulá-lo. Depois de quatro horas de interrogatório, foi libertado. Nos dias seguintes, agentes britânicos visitaram a família de sua noiva no Kuwait, o que causou o rompimento do relacionamento. O MI5 também compartilhou suas suspeitas com as autoridades do Kuwait, que cancelaram o visto de Emwazi. Sem noiva e sem poder voltar para trabalhar no lugar onde nasceu, ele se sentiu um prisioneiro em Londres.
Frustrado com sua situação, de acordo com a Cage, que entrevistou Emwazi em 2009 e manteve contato com ele até janeiro de 2012, decidiu há três anos fazer um curso para se tornar professor de inglês. Após passar na prova final, candidatou-se a empregos em vários centros de línguas na Arábia Saudita para ensinar inglês. Dois amigos seus conseguiram emprego, mas ele foi rejeitado. No começo de 2013, o pai de Emwazi lhe sugeriu mudar de nome legalmente para ter menos problemas. Emwazi o fez, tornando-se Mohammed al-Ayan. Com isso, ele tentou comprar, pela última vez, uma passagem para o Kuwait, mas de novo foi impedido de embarcar, segundo a Cage. Uma semana depois ele disse aos pais que ia viajar para o exterior e nunca mais voltou.
É claro que essa narrativa está cheia de lacunas e coisas não ditas. Como uma pessoa tão supostamente normal como o Emwazi desta história pode, de repente, se tornar o degolador monstruoso dos vídeos do Estado Islâmico? E o papel da Cage em tentar humanizar Emwazi demais também levanta questões de eles talvez simpatizarem excessivamente com um homem que é claramente um terrorista demente.
A mãe de Emwazi disse à imprensa que reconheceu a voz do filho na primeira vez que o ouviu falando em um dos vídeos do EI, mas não informou as autoridades disso. O pai do assassino ficou em choque ao saber que seu filho podia ser o Jihadi John, mas, logo depois de consultar um advogado, e talvez numa tentativa desesperada de desviar o ódio do publico, fez uma declaração dizendo que não havia provas de que era realmente seu filho.
Por que analisar a vida de um assassino tão sanguinário? Talvez nos ajude a entender como um jovem de classe média, com boa educação, foi capaz de se ter desviado do bem a ponto de virar um astro de vídeos pornográficos do EI, degolando vítimas que estavam ajudando sírios. Não podemos culpar o serviço secreto britânico por ter perseguido Emwazi e o levado a tomar esse rumo. O salto que ele deu na vida que levava para o de monstro que se tornou é enorme. Somente o próprio Emwazi e a ideologia fanática do EI podem ser responsáveis por seus atos tão cruéis.
http://oglobo.globo.com/opiniao/o-delirio-de-mohammed-emwazi-15515413#ixzz3UYexz0Dg
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