Os americanos precisam de um governo que una o país, e não de um governante que acirre os ânimos da sociedade
As escolhas do presidente eleito americano Donald Trump para seu gabinete são assustadoras, e deviam pôr fim a qualquer esperança que americanos liberais poderiam ter até agora de que Trump se moderaria ao assumir em janeiro.
A vitória contestada de Trump nas eleições de novembro, especialmente com a candidata democrata Hillary Clinton tendo recebido pelo menos 2,5 milhões de votos a mais do que Trump no voto popular, abalou a confiança de muitos na democracia americana. O sistema do colégio eleitoral é um legado da era da escravidão, porque foi planejado para dar mais peso aos estados que tinham mais escravos no século 19. E esses estados, do Sul, são também os mais conservadores. Isso tem levado a um movimento popular para abolir o colégio eleitoral, e deixar o presidente americano ser eleito somente pelo voto popular. Mas para fazer isso, cada um dos 50 estados teria de aprovar uma emenda constitucional, o que é pouco provável.
Muitos liberais americanos tinham a esperança de que fazendo uma recontagem dos votos em alguns estados estratégicos, como Michigan e Pensilvânia, o placar no colégio eleitoral poderia ser mudado. Essa tentativa foi liderada pela candidata presidencial do partido Verde Jill Stein, mas acabou em nada. Em Michigan a recontagem deu a vitória de novo para Trump, e em Pensilvânia, onde Trump ganhou, o estado se recusou a fazer a recontagem, alegando falta de verba.
Forçados a aceitar os resultados da eleição, mesmo com o colégio eleitoral não sendo muito democrático, os liberais estão chocados com as nomeações de Trump para seu gabinete. É como se ele estivesse nomeando lobos para vigiar galinheiros. Para secretário de Trabalho ele nomeou Andrew Puzder, o CEO de uma empresa que opera redes de fastfood americanos, que se opõe a elevar o salário mínimo para US$15 a hora. Ele acusa o programa de saúde Obamacare de aumentar os custos das empresas.
Para secretário da Saúde nomeou o congressista republicano da Georgia Tom Price, um árduo opositor do Obamacare. Em 2015 tentou tirar o financiamento do Planned Parenthood, uma rede nacional de centros de saúde para mulheres, que dispensa contraceptivos e faz abortos em mulheres que não querem manter a gestação.
Para a Environmental Protection Agency, a agência federal para proteger o meio-ambiente, Trump nomeou Scott Pruit, procurador-geral do estado de Oklahoma, e um dos mais ferozes críticos desse organismo. Ele já tentou processar a agência várias vezes, alegando que as ações do EPA seriam ilegais e excessivas.
Finalmente, para secretário do Tesouro ele nomeou o banqueiro Steven Mnuchin, que comprou com outros investidores o problemático banco IndyMac, que na crise econômica de 2008 foi responsável por muitos americanos perderem suas casas hipotecadas. Ele lucrou quando o governo federal aceitou absorver as perdas bilionárias das hipotecas inadimplentes. Hoje, esse banco se chama One West. Já se diz que o gabinete de Trump, cheio de bilionários, vai ser um dos mais ricos da história americana.
Mesmo com essas indicações de uma administração conservadora e pró-negócios do Trump, ainda pairam muitas questões sobre como vai ser o governo dele. O presidente eleito irá adiante com sua promessa de restringir a entrada de muçulmanos no país? Vai construir um muro na fronteira com o México? Vai tomar medidas mais agressivas contra a China no comércio? Todas são questões que somente serão respondidas depois da posse de Trump.
E as relações com a Rússia? Trump já desconsiderou a conclusão da CIA e do FBI de que o governo russo tentou interferir na eleição americana a favor do candidato republicano. Mas é nítido que Moscou ajudou WikiLeaks a difundir os e-mails de Hillary, o que causou-lhe embaraço e com certeza ajudou a convencer muitos eleitores americanos a não votar nela.
Trump já mostrou que ele pretende governar mais como o homem de negócios que é do que como um líder político. Esta semana surgiu a notícia de que executivos do novo hotel de Trump em Washington, DC, que fica na Avenida Pensilvânia, a mesma via onde fica a Casa Branca, tinham pressionado embaixadas a promover suas recepções e festas no hotel. A embaixada do Kuwait cancelou a festa de sua data nacional no Four Seasons Hotel para fazê-la no empreendimento de Trump. A razão para trocar de hotel, segundo funcionários de Trump, era que isso facilitaria o acesso do futuro presidente.
Os americanos estão precisando de um governante e de um governo que unam mais o país, e não um que acirrará os ânimos. Infelizmente, não vejo Trump e seu gabinete fazendo isso. Como um amigo americano me disse recentemente, o governo Trump vai parecer como a administração de Ronald Reagan.
Leia mais sobre esse assunto em http://oglobo.globo.com/opiniao/o-conservadorismo-do-gabinete-de-trump-assustador-20683762#ixzz4UKAffkEH
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