O chefe da inteligencia saudita o principe Bandar ibn Sultan, esquerda, falando com o presidente russo Vladimir Putin. (Foto cortesia da Jafria News)
Foi a ameaça de um ataque com mísseis Tomahawk americanos que forçou Assad a entregar as armas químicas
Rasheed Abou-Alsamh
A Arábia Saudita se viu fazendo manchetes ao redor do mundo nestas últimas duas semanas por um aparente ataque de birra depois da votação do reino para um assento rotativo no Conselho de Segurança das Nações Unidas, pela Assembleia Geral, no dia 17 de outubro. A vitória foi celebrada pelos diplomatas sauditas na ONU, em Nova York. Uma amiga minha que trabalhou duro por dois anos para que o reino alcançasse esse posto celebrou no Facebook. Mas a felicidade durou pouco tempo. Menos de 24 horas depois, no dia 18 de outubro, o governo saudita anunciou que não ia aceitar a cadeira por estar extremamente angustiado e frustrado com a inabilidade da ONU em parar o massacre na Síria e por não ter conseguido um desfecho para o problema dos palestinos, que continuam sem um país próprio.
Minha amiga retirou o post dela celebrando a conquista saudita, e todo mundo ficou pasmado com a atitude saudita. Afinal das contas, o Ministério das Relações Exteriores saudita tinha mandado um grupo de 12 diplomatas para estudar na Universidade de Columbia por um ano, em preparação para o assento no Conselho de Segurança que eles tanto cobiçavam. Por que essa súbita mudança num país que sempre fugiu dos holofotes, usando uma diplomacia atrás das cenas? Uma fonte me disse que foi por causa de o chefe da inteligência saudita, o príncipe Bandar ibn Sultan al-Saud, ter tomado as rédeas da política externa, encaminhando-a para um rumo mais agressivo e assertivo. Dias depois, o “Wall Street Journal” confirmou minha informação, afirmando que Bandar tinha dito a diplomatas europeus que a recusa do assento na ONU era mais direcionada aos EUA do que para a própria ONU. Ele também alegadamente disse que o reino estava revendo sua aliança estratégica com os americanos, e que ia diversificar seus aliados.
Imediatamente surgiram os deboches contra o reino, com comentaristas americanos notando que nem a China ou a Rússia podiam cobrir as necessidades de armas e segurança dos sauditas. Outros notaram que a aliança saudita-americana, que sempre foi delicada para ambos os lados, agora não importava tanto assim para os americanos, já que os EUA estão produzindo muito mais em combustíveis, diminuindo a dependência americana do petróleo do Golfo. Na verdade, a China agora é a maior importadora de petróleo saudita, e desde setembro 2013 é a maior importadora de petróleo do mundo, tirando os EUA da primeira posição.
E a Arábia Saudita tem seguido as vontades americanas de usar sua produção petrolífera para ajudar a amenizar os picos nos preços do petróleo no mercado mundial. Com a produção da Líbia severamente abatida depois da derrubada de Kadafi dois anos atrás, os sauditas têm mantido sua produção diária a mais de dez milhões de barris, um recorde dos últimos 32 anos.
Na essência, foram a hesitação do presidente americano Barak Obama em lançar um ataque contra a Síria — depois do uso repetido de armas químicas pelo regime de Bashar al-Assad contra os rebeldes — e o fato de ter estendido a mão para o novo presidente iraniano, Hassan Rouhani, que revoltaram a liderança saudita. Tudo bem que o secretário de Estado americano, John Kerry, conseguiu que a Síria renunciasse a seu arsenal de armas químicas, mas a resolução passada pelo Conselho de Segurança ficou sem o trecho — por insistência dos russos — que insistia que um futuro da Síria não incluísse Bashar, uma demanda-chave dos sauditas.
Nawaf Obaid, um analista saudita próximo à família real, escreveu dois artigos explicando a decisão saudita, notando que, depois da resolução da ONU sobre as armas químicas sírias, os sauditas podiam aceitar seu assento no Conselho de Segurança ou tomar seu próprio rumo. A Arábia Saudita enviou uma mensagem poderosa sobre a eficácia do Conselho de Segurança e a política do Oriente Médio do governo Obama, na estimativa do analista. “Em caso de necessidade, o reino está reformulando sua política externa para avaliar a melhor forma de resolver a tragédia da Síria... Enquanto trouxe à tona pelo dilema da Síria, esta necessidade é o resultado das tendências mais profundas que também estão orientando as decisões da Arábia Saudita: a falta de liderança dos EUA na região, turbulência regional, provocada pelo ‘despertar árabe’, e da nova política de aproximação do Irã em relação ao Ocidente”, escreveu Obaid no “Washington Post”. Ele acrescenta que a Arábia Saudita se sente sozinha agora tentando manter a estabilidade no Oriente Médio, e que o reino vai continuar a tentar fazê-lo, mesmo se isso levar a uma ruptura estratégica com os EUA.
A minha análise da situação é menos dramática do que a de Nawaf. Com certeza, o regime do Bashar continua matando centenas de sírios por semana, e é necessário que se assegure um futuro para a Síria sem ele e sua família. Mas é um alívio que um ataque americano à Síria tenha sido evitado. A última coisa que o Oriente Médio precisa neste momento é de mais violência. Mas acho que foi a ameaça de um ataque com mísseis Tomahawk americanos que forçou Assad a entregar as armas químicas. Mais ameaças poderiam forçar os dois lados até a mesa de negociações e determinar que Bashar não fique no poder. Igualmente, vejo o telefonema que Obama deu para Rouhani como uma esperança de que os velhos conflitos da região possam finalmente ser resolvidos com negociações pacíficas, em vez de com mais guerras. Os sauditas, em vez de se sentirem excluídos, deveriam acolher essas alternativas não violentas como caminhos para soluções mais pacificas que beneficiam todo mundo. Afinal, eles não têm o poder, nem militar ou diplomático, de solucionar esses problemas sozinhos.
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