Um manifestante no Bahrein joga uma bomba de gas lacrimogeneo de volta para a policia.
Essa coluna foi publicada no O Globo de 30/12/2011
RASHEED ABOU-ALSAMH
O Bahrein, um arquipélago pequeno no Golfo Pérsico, é ligado a Arábia Saudita por uma ponte de 22 quilômetros. Com uma população de pouco mais de um milhão de habitantes, e somente meio milhão de cidadãos bareinitas, é aqui onde uma das mais graves batalhas dos levantes da Primavera Árabe, entre os menos bem sucedidos xiitas e os mais endinheirados sunitas, rasgou o tecido da sociedade e ainda esta em curso.
Encorajados pelas manifestações populares na Tunísia e o Egito, bareinitas xiitas foram as ruas da capital Manama no dia 14 de fevereiro protestar contra a corrupção, a falta de oportunidades econômicas e a discriminação contra eles, apesar de constituir até 70% da população. Governado pela dinastia real e sunita dos Al-Khalifas por os últimos 200 anos, o Bahrein sempre foi, ate esse ano, uma ilha de estabilidade no Golfo, primeiro como um centro de pesca e de mergulho para pérolas, ate seu desenvolvimento como um centro bancário regional depois de sua independência da Grã Bretanha em 1971.
Os governantes não reagiram bem às manifestações, especialmente depois que os manifestantes tomaram conta de um balão no centro da capital chamada “Pearl Roundabout”, por causa do monumento gigante com uma perola no meio dele, e decidiram acampar lá. As forças de segurança, composto por muitos imigrantes sunitas do Paquistão que nem falam árabe direito, reagiram com gás lacrimogêneo e balas de borracha, ferindo 14 manifestantes e matando uma pessoa. Essa repressão encorajou os manifestantes a ficar mais tempo no balão, e o maior partido xiita do pais, o Al-Wefaq, declarou solidariedade com os manifestantes, composta por famílias inteiras de homens, mulheres e crianças.
Na noite de 17 de fevereiro, as forças armadas retomaram o balão com brutalidade, deixando cinco mortos, 231 feridos e 70 pessoas desaparecidos. O balão ficou ocupado pelo exercito até desocuparam a área no dia 19 de fevereiro, e os manifestantes voltaram a acampar lá. Uma marcha em solidariedade com os mortos e feridos consegui juntar até 200,000 pessoas, ou 25% da população adulta bareinita, um fato extraordinário.
O rei Hamad Bin Issa al-Khalifa reagiu aos distúrbios prometendo libertar prisioneiros políticos, demitir vários ministros do gabinete dele, e declarar um dia nacional de luto para as vitimas da violência. Quando essas reformas não saíram do papel, os manifestantes continuaram a ocupar o balão, e a ter confrontos violentos com as autoridades, com o lançamento de bombas Molotov contra a policia e o erguimento de barreiras em pontos estratégicos de Manama.
Ate meados de março, havia esperanças de um dialogo entre o governo e os manifestantes, com o príncipe herdeiro Salman bin Hamad aparentemente disposto a dar concessões. Os Estados Unidos apoiaram esses negociações mas foram pegos por surpresa no dia 14 de março, quando foi anunciado que Bahrein havia pedido ajuda militar dos seus vizinhos e co-membros do Conselho de Cooperação do Golfo. A Arábia Saudita mandou 1,000 soldados em transportes blindados através da ponte que liga os dois países, e os Emirados Árabes Unidos mandaram uma força de 500 policias. O primeiro ministro linha dura, Khalifa Bin Salman, no poder desde 1971, tinha tomado comando da situação.
O que aconteceu depois foi um verdadeiro pesadelo para todos os manifestantes. Os que estavam acampados no “Pearl Roundabout” foram expulsos violentamente mais uma vez na noite de 18 de março, deixando cinco mortos e centenas de feridos. Lideres da oposição foram detidos, e o monumento com a perola destruído e posto terra a baixo. Se havia alguma esperança de dialogo até aquele momento, a chegada das tropas sauditas, chamado de ocupação por muitos bareinitas, pois fim a qualquer possibilidade de reconciliação.
Foi então que uma verdadeira caça a bruxas se deflagrou no Bahrein com mais de 2,929 pessoas detidas e torturadas, e milhares de funcionários públicos demitidos por ter faltado ao expediente para tomar parte das manifestações. Alunos de varias universidades foram expulsos depois que autoridades colherem evidencias nas suas paginas das redes sócias, como o Facebook e Twitter, que mostravam seu apoio a movimentos críticos do governo.
Nesse período eu acompanhava sem fôlego as twitadas da Angry Arabiya, o nome online da ativista Zainab al-Khawaja, 28 anos, casada e mãe de uma filha de dois anos. Ela escreveu como comandos no dia 9 de abril, com seus rostos cobertos, invadiram a casa do pai dela, o também ativista Abdulhadi al-Khawaja, e deram uma surra tão violenta nele na frente dela, que o pai ficou inconsciente. Quando a Zainab tentou impedir que continuassem a bater no pai dela, ela foi agredida. Numa entrevista com ela essa semana, ela me contou que o pai teve que ser operado por quatro horas depois da surra que levou. O marido e cunhado dela também foram presos no mesmo tempo, e conseqüentemente o pai dela foi condenado por um tribunal militar no dia 22 de junho a prisão perpetua, e o marido a quatro anos de reclusão.
No final de junho, o rei Hamad anunciou a formação de uma comissão de inquérito para investigar os abusos cometidos por todos nos confrontos violentos. Liderado pelo jurista egípcio veterano M. Cherif Bassiouni, a comissão divulgou um relatório de 500 paginas no dia 23 de novembro, dizendo que 46 pessoas foram mortos, 559 alegações de tortura registradas, e mais de 4,000 casos de pessoas demitidas por ter participados em manifestações. O relatório também frisou que não tinham encontrado nenhuma prova que o Irã, a potencia xiita do outro lado do golfo, e que até 1970 ainda afirmava que o Bahrein era uma província sua, tinha dado apoio aos manifestantes bareinitas.
E é nesse beco sem saída que o Bahrein, infelizmente, se encontra hoje: Os Al-Khalifa com medo de perder o poder absoluta que eles tem sobre o pais, e os xiitas cansados de ser tratados como o inimigo. Os xiitas estão divididos, alguns querem reformas para ter uma monarquia constitucional, e outros, como a Zainab, querem uma democracia sem a família real.
É assim que o Bahrein virou um campo de batalha, de uma forma muito mais grande, entre aqueles que querem democracia e as famílias reais do golfo que, compreensivelmente, não querem dar concessões de mais por medo de ficarem fora do poder. Com as potencias ocidentais mais interessadas em assegurar suas fontes de petróleo, o futuro da democracia no golfo esta bem escura.
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