Sera que mulheres sauditas poderao dirigir e ser tao feliz como essa mulher?
A jovem Manal al-Sharif, divorciada e mãe de um filho, foi presa em 21 de maio em Dhahran, na Arábia Saudita, por dirigir sem carteira nas ruas de Al-Khobar. A prisão transformou-a instantaneamente em ícone do movimento para que as mulheres tenham permissão de dirigir no reino. Chamada de “a Rosa Parks da Arábia”, em referência à mulher que liderou, no Sul dos Estados Unidos nos anos 60, a campanha de desobediência civil para a dessegregação de ônibus públicos que forçavam negros a sentarem-se apenas nos bancos traseiros, Al-Sharif foi libertada após 10 dias na prisão de Dammam e a promessa de que ela interromperia sua campanha para permitir quer mulheres dirijam.
A Arábia Saudita tem a infeliz distinção de ser o único país do mundo que proíbe as mulheres de dirigir. O debate sobre permitir ou não que as mulheres dirijam no reino ultraconservador tem sido travado há muitas décadas, mas apenas recentemente recebeu um impulso quando diversas mulheres sauditas começaram a dirigir em diferentes cidades, filmando a si próprias enquanto o faziam e postando seus vídeos no YouTube.
Al-Sharif foi uma dessas mulheres, e a analista de segurança da companhia petrolífera estatal Saudi Aramco, de 31 anos, pagou o preço por sua iniciativa.
Antes disso, ativistas haviam iniciado uma nova campanha para permitir que mulheres dirijam, formando um grupo no Facebook chamado Women2Drive, que atraiu 2.792 adeptos online. O grupo está conclamando todas as mulheres que possuem carteiras de motorista estrangeiras ou internacionais para dirigirem seus carros no dia 17 de junho, em qualquer local ou período que queiram nesse dia.
As opiniões se dividem sobre a questão de saber se a ação e a posterior prisão de Al-Sharif foram boas ou ruins para o movimento.
“A prisão de Manal certamente ajudou a publicizar o caso nos planos local e internacional. Isto, por si só, fez com que os organizadores da campanha se sentissem mais confiantes do que intimidados diante da prisão de sua camarada. O fato de que o Conselho Nacional de Mulheres na Irlanda está convocando, para o dia 17 de junho, uma manifestação em frente à embaixada saudita em Dublin é extremamente encorajador para as mulheres sauditas”, disse Ebtihal Mubarak, uma jornalista saudita baseada em Nova Iorque.
Ali Alyami, o diretor executivo do Centro para a Democracia e os Direitos Humanos na Arábia Saudita (situado em Washington), disse que Al-Sharif deveria ter esperado até 17 de junho e dirigido seu carro com outras mulheres para produzir um impacto maior.
“Embora eu acredite que sua paixão em buscar o direito de dirigir para as mulheres seja genuína, sua fascinação consigo mesma, bem como a certeza ilusória de que ela poderia ser poupada da ira das políticas brutais do regime saudita contra as mulheres desde que congratulasse a si própria como uma patriota que ama seu rei e seu país, provaram estar erradas. Caso ela houvesse mobilizado mais adeptos e esperado até 17 de junho, o resultado poderia ter sido mais positivo”.
Outra mulher saudita, Najla al-Hariri, também dirigiu recentemente seu carro nas ruas de Jeddah e postou vídeos de si mesma na Internet. Ela tem duas carteiras de motorista, uma do Líbano e outra do Egito, e teve mais sorte do que Al-Sharif em não ser presa.
“Os dias que Manal passou na cadeia certamente ajudarão no apoio à nossa demanda para obter permissão para dirigir, porque esse é nosso direito e necessidade”, disse Al-Hariri em uma entrevista no Al-Ahram Weekly. “Se mais mulheres começarem a dirigir e postarem vídeos de si próprias fazendo isso no YouTube, a ideia de mulheres dirigindo se tornará normal e aceitável”.
O primeiro protesto com mulheres sauditas dirigindo nas ruas de Riad ocorreu há mais de duas décadas atrás, quando um grupo de cerca de 20 mulheres dirigiram pela capital por cerca de uma hora em 6 de Novembro de 1990, antes de serem paradas e presas pela polícia. Seus responsáveis masculinos foram subsequentemente forçados a assinar compromissos de que essas mulheres nunca dirigiriam novamente, e as mulheres tiveram seus passaportes confiscados e foram suspensas de seus trabalhos. A permissão para retornarem a seus trabalhos e obterem de volta seus passaportes ocorreu apenas mais de um ano depois. Nas mesquitas ao ar livre e em outros locais públicos, foram amplamente distribuídos milhares de panfletos que nomeavam a elas e seus maridos, chamando-os de “prostitutas” e “cafetões”.
Duas décadas depois, algumas lideranças oficiais, incluindo o Rei Abdullah, insistiram em entrevistas dadas ao longo dos últimos anos que apóiam o direito das mulheres de dirigir, e que o assunto é social e não religioso. De fato, não há nada no Islã que proíba as mulheres de dirigir – e, na verdade, mulheres em áreas rurais são conhecidas por dirigirem caminhonetes. No entanto, uma minoria vocal estridente tem repetidamente atacado a permissão para que mulheres dirijam, utilizando uma fatwa (edito religioso) emitida em 1991 pelo xeque Abdulaziz Bin Baz, que, para apoiar sua posição, qualificou tal permissão como “haram” (pecaminosa), na medida em que encorajaria a mistura dos sexos. Isto transformou toda a questão em um tema candente, que dividiu a sociedade saudita. Foram travados intermináveis debates sobre o que aconteceria com as mulheres caso elas sofressem acidentes com seus carros; uma força policial feminina teria de ser formada? E como os homens lidariam com mulheres que tiverem um pneu furado?
Muitos críticos dessa proibição informal apontaram para a sangria econômica em famílias sauditas que são forçadas a contratar um virtual exército de motoristas estrangeiros para conduzir seus membros mulheres. Estimativas do número de motoristas estrangeiros que trabalham na Arábia Saudita apresentam a variação enorme de 250.000 a 4 milhões; na ausência de estatísticas oficiais, é difícil dizer. Mas basta ir a qualquer shopping saudita para se ver fileiras de motoristas estrangeiros esperando por suas empregadoras.
Entretanto, muitas mulheres sauditas simplesmente não têm dinheiro para empregar um motorista para transportá-las, especialmente aquelas que trabalham como professoras em escolas do governo.
“O salário mensal médio das mulheres é agora de menos do que 1.000 riais. Uma mulher com curso superior terá sorte em obter 3.000 riais por mês. O custo médio mensal de um motorista, incluindo salário, visto e renovação de comprovante de residência, é de 2.600 riais. Como as mulheres poderiam pagar por tudo isso?” perguntou Jamelah al-Anqari, uma estudante universitária.
Para adicionar o insulto à injúria, algumas mulheres insistem que não querem dirigir e estão bastante felizes em serem transportadas por outros. Um grupo delas endereçou recentemente uma petição com 1.000 assinaturas ao Rei Abdullah, solicitando que ele não autorize mulheres a dirigir, e até iniciou um grupo no Facebook para sua causa, o qual foi posteriormente removido pelos administradores do site.
Madawi al-Rasheed, professora de antropologia social no King’s College em Londres e autora de “Uma história da Arábia Saudita”, acredita que muitas mulheres sauditas não querem o direito de dirigir por temer que homens irresponsáveis em suas famílias coloquem sobre elas o fardo de transportá-los para todo lugar.
“Algumas mulheres não querem permissão para dirigir porque não desejam se tornar motoristas da família, enquanto os homens se sentam bebendo chá e papeando com seus amigos. As mulheres já carregam todos os fardos da família, uma vez que os homens, por trabalharem e proverem apoio financeiro, julgam estar isentos de todas as outras responsabilidades. Na Arábia Saudita, temos uma crise da masculinidade, não da feminilidade. Maridos e pais ausentes, que abandonam as mulheres e crianças na busca do segundo e terceiro casamentos, são um problema real”, disse Al-Rasheed.
Permanece, então, a questão de como as mulheres deveriam se organizar para pressionarem pelo seu direito de dirigir. Oficiais sauditas, desacostumados a protestos públicos e a uma sociedade civil robusta, estão horrorizados diante da possibilidade de uma massa de mulheres sauditas dirigindo pelas ruas.
O Dr. Zuheir al-Harathy, membro do Conselho Consultivo Shura, disse ao jornal Asharq al-Awsat que dirigir pelas ruas não era o modo correto pelo qual as mulheres deveriam lutar pelos seus direitos.
“Dirigir carros pelas ruas para impor suas demandas sobre a lei representa uma provocação à autoridade oficial. Esse método pode ser chamativo, mas não provê uma solução”, ele disse.
Mas as mulheres sauditas estão cansadas de esperar que homens assumam sua causa e autorizem-nas a dirigir, e as organizadoras do Women2Drive anunciaram que irão adiante com seu protesto no dia 17 de junho.
No entanto, muitas mulheres sauditas duvidam que isso, por si só, será suficiente para mudar a situação e acreditam que mais precisa ser feito para que alcancem seus direitos.
“As mulheres sauditas precisam se organizar. Professoras precisam formar sindicatos; médicas precisam de uma associação etc. Essa é a única via para que elas mudem sua situação. Imagine se todas fizessem uma greve! As escolas não funcionarão e as autoridades terão de responder. Simplesmente sair para dirigir não funcionará. Escrever petições não funcionará. Já fizemos isso e chegamos a um beco sem saída. A verdade é que direitos são conquistados e não dados. Precisamos de um movimento pacífico de desobediência civil”, disse Al-Rasheed.
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