Um comicio para o candidato islamista liberal Abdul-Moneim Aboul Fatouh em Cairo.
Rasheed Abou-Alsamh - Especial para O Globo
CAIRO — Mais de um ano após a derrubada do ditador Hosni Mubarak, as tensões entre militares e islamistas são constantes — e também entre secularistas e religiosos. Há ainda o estranhamento entre militares e jovens revolucionários da Praça Tahrir. Tudo em um Egito que navega nas águas turbulentas de uma economia seriamente abalada. Às vésperas da primeira eleição presidencial livre do país, marcada para 23 e 24 de maio, cresce a incerteza. Se os partidos islamistas arrebataram a maioria das cadeiras do Parlamento no pleito legislativo, a tendência pode não se repetir na disputa presidencial. Os grupos religiosos chegam rachados às urnas.
O maior partido islamista do país, o Justiça e Liberdade, braço político da Irmandade Muçulmana, é um dos grandes fatores da desconfiança do eleitorado que o transformou na maior bancada da Assembleia do Povo. Primeiro porque o grupo, subitamente, voltou atrás na decisão inicial de não indicar um candidato a presidente — algo que fez muitos egípcios denunciarem uma tentativa de monopólio da política do Cairo.
— Nós somos um povo conservador e religioso, mas não queremos a Irmandade Muçulmana controlando todos os aspectos das nossas vidas — resumiu o taxista Nabil Mohamed, que há 25 trabalha na capital egípcia, temeroso por ver o grupo controlando o Legislativo e o Executivo.
Brechas contra o Parlamento
Outro desafio aos islamistas é o fato de que o voto deles vai estar dividido entre o candidato da Irmandade, Mohamed Mursi, e um popular ex-integrante do grupo, Abdel Moneim Abul Futtuh — que rompeu com a facção justamente por querer se lançar à Presidência, contrariando a cúpula da Irmandade Muçulmana ainda nos primeiros dias pós-Mubarak.
Quando 52 milhões de eleitores forem às urnas no primeiro turno, poderão escolher entre 13 candidatos. Uma controversa peneira, promovida pelo Comitê Superior Eleitoral, baniu da disputa dez aspirantes à Presidência. Entre eles, o escolhido inicialmente pela Irmandade, Khairat el-Shater, por ter uma condenação criminal; o aliado de Mubarak e ex-chefe da Inteligência Omar Suleiman, por não ter conseguido o apoio de eleitores em todas as províncias; e o clérigo salafista Hazem Salah Abu Ismail — por um motivo um tanto curioso: a mãe deste ferrenho crítico do Ocidente e dos EUA detinha nacionalidade americana.
Já o Prêmio Nobel da Paz Mohamed ElBaradei, visto como uma força motriz do movimento que levou à renúncia de Mubarak, anunciou em janeiro que não concorreria mais à Presidência, por acreditar que o país ainda não está sob um regime democrático. No sábado ele anunciou a fundação de um novo partido político, cujo apoio deve ser disputado pelos candidatos.
Há, ainda, muitas suspeitas de que o Conselho Supremo das Forças Armadas (Scaf, na sigla em inglês), o conselho de generais que governa o país desde a queda de Mubarak, esteja usando seus poderes executivos para moldar as leis eleitorais a seu favor. E deixando até brechas para dissolver o Parlamento, conforme denuncia Nasser Amin, diretor-geral do Centro Árabe para a Independência do Judiciário e Advogados:
— Julho é o prazo para o Scaf aprovar as emendas constitucionais e fazer ajustes, o que é seu direito. Vejo dois cenários prováveis: ou os militares vão mandar as emendas ao novo presidente ou, se o novo chefe de Estado não for do agrado deles, podem dissolver o Parlamento e convocar novas eleições.
Amin é pessimista sobre o futuro democrático do Egito. Ele acredita que os militares permitiram que os islamistas vencessem as eleições parlamentares apenas para identificar seus simpatizantes. E prevê que os generais vão voltar a reprimir e aprisionar os islamistas. Como até bem pouco tempo atrás, quando a Irmandade Muçulmana era oficialmente banida e seus membros exilados, presos e torturados sob os governos Gamal Abdel Nasser, Anwar Sadat e Hosni Mubarak.
— Muito mais sangue terá de ser derramado para conseguirmos uma forma viável de democracia — arrisca.
As últimas pesquisas eleitorais mostram o ex-secretário-geral da Liga Árabe Amr Moussa na frente, com 40,9% das intenções de voto, segundo uma enquete feita com 1.200 eleitores pelo Centro al-Ahram de Estudos Estratégicos. Abul Futtuh aparece com 25,2%. Ontem, ele, que é um islamista liberal, recebeu o insólito apoio dos ultraconservadores salafistas, o que deve deixar ainda mais confuso o cenário.
A revolução da Praça Tahrir causou uma tsunami política no país — onde sequer a Assembleia Constituinte, criada para reformular a Constituição, consegue trabalhar. E provocou, ainda, um abalo na economia. Com o turismo afetado devido a confrontos e manifestações esporádicas, a receita do setor caiu de US$ 12 bilhões em 2008 para US$ 8 bilhões no ano passado.
— As remessas de egípcios morando no exterior nesse último ano atingiram US$ 12 bilhões, superando pela primeira vez as receitas do turismo — observa Magda Kandil, diretora do Centro Egípcio para Estudos Econômicos.
Kandil defende o pacote econômico de US$ 3,2 bilhões oferecido ao país pelo FMI. O ministro egípcio das Finanças, Mumtaz al-Said, confirmou a disposição em assinar uma carta de intenção com o fundo internacional, um primeiro passo rumo ao acordo. Mas a decisão, claro, é alvo de desentendimentos. Futtuh, por exemplo, acha que o Egito deve procurar financiamento de países amigos através de acordos bilaterais, e aceitar somente até US$ 500 milhões do FMI. Já a Irmandade defende que a decisão seja tomada após a eleição do novo presidente.Leia mais sobre esse assunto em http://oglobo.globo.com/mundo/muitos-candidatos-poucas-certezas-nas-eleicoes-no-egito-4771401#ixzz1tdIBziJ0
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