Ali Abdullah Saleh visto aqui depois de ser morto no Iemen.
Esta coluna foi publicada no O Globo de 08 de dezembro, 2017:
Por Rasheed Abou-Alsamh
Analistas dizem que pode haver um banho de sangue nas ruas de Sanaa se as forças leais a Saleh decidirem se vingar
O assassinato do ex-presidente iemenita Ali Abdullah Saleh pelos houthis na segunda-feira, quando ele tentava fugir da capital, Sanaa, deixou no limbo o país, que está numa guerra civil sangrenta há três anos.
Saleh governou o Iêmen por 33 anos até 2012, quando foi forçado a deixar o cargo depois de uma série de manifestações em 2011, nas ruas da capital, de ativistas da Primavera Árabe, pedindo mais democracia, e por pressão dos países do Conselho de Cooperação do Golfo (CCG).
No sábado passado, Saleh tinha declarado numa entrevista à TV que estava pronto a começar a negociar com a Arábia Saudita. Apesar de ter sido um forte aliado dos sauditas por mais de 30 anos, Saleh, em 2014, em uma reviravolta, se aliou a seus ex-inimigos, os rebeldes houthis. Estes são zaiditas, uma vertente xiita do Islã, e compõem uma minoria de 30% da população. Têm o apoio do Irã, que os fizeram inimigos dos sauditas sunitas.
Em setembro de 2014, os houthis assumiram o controle de Sanaa com a ajuda das forças aliadas a Saleh, forçando o presidente Abd Rabbo Hadi a fugir para Áden, no sul, e posteriormente para a capital saudita, Riad. Isso desencadeou a intervenção de uma coalizão liderada pela Arábia Saudita para derrotar os houthis e pôr Hadi de volta no controle do país.
A entrevista de Saleh foi a assinatura de sua sentença de morte. Sua ausência deixou os dois lados desta guerra civil no limbo, sem saber o que fazer. De sábado até a segunda feira do assassinato, mais de 200 pessoas da intelligentsia ligados a Saleh desaparecerem das ruas de Sanaa, levados à força pelos houthis, disse-me em entrevista Nasser Weddady, um analista do mundo árabe.
A guerra civil destruiu o país, que já era o mais pobre do mundo árabe. Estima-se que quase 14 mil pessoas já tenham sido mortas ou feridas. Há perto de um milhão de casos de suspeita de cólera; três milhões de iemenitas estão refugiados dentro do próprio país, e mais de 200 mil fugiram para nações vizinhas.
E o país está dividido em três partes: a parte norte e a capital controladas pelos houthis; a região de Áden, no sul controlado por forças leais a Hadi; e boa parte da região de Hadramute, no Leste, controlada por tribos leais à al-Qaeda.
O Iêmen foi partido ao meio por ocasião da independência do Norte, em 1918, quando o Império Otomano acabou. Os britânicos tinham assumido o controle de Áden, no Sul, em 1839, e só saíram de lá em 1967. O Norte virou uma república conservadora, em 1962; e o sul, comunista e alinhado com a União Soviética. Depois de uma guerra civil, as duas partes se uniram em 1990, mas o sul sempre se sentiu rebelde e diferente do norte. E é por isso que até hoje há um forte movimento de secessão no sul.
Analistas dizem que pode haver um banho de sangue na capital se as forças leais a Saleh decidirem se vingar da morte do seu líder. “Vai ser preciso muita paciência tribal e controle para prevenir um banho de sangue nas ruas de Sanaa e outras partes do Norte,” disse-me Elana DeLozier, diretora de estratégia do centro de pesquisas Emerge85 Lab, em Abu Dhabi. “Os inimigos dos houthis incluem seguidores de Saleh; a coalizão; os Ahmars (uma poderosa família tribal); os salafistas; o partido islamita Islah, e o partido Congresso Geral do Povo; a resistência do sul; e a al-Qaeda. Os houthis não têm nenhuma aliança doméstica notável além de algum suporte tribal. E isso não é nada bom para eles,” explicou.
O nome do filho de Saleh — Ahmed Ali Saleh, que até agora estava morando nos Emirados Árabes Unidos — tem sido citado como possível sucessor do pai no cargo de presidente do Iêmen. Mas Weddady e DeLozier não acham que isso vá acontecer porque Ahmed não tem muito apoio no país, e porque o vice-presidente atual do governo no exílio, Ali Al-Mohsen, tem uma base poderosa de correligionários no Iêmen.
“Ouve-se muita conversa sobre Ahmed chegando ao poder com o apoio do CCG, mas há muitas falhas nos cenários projetados. Primeiro, não há indícios de que Ahmed possa comandar com a mesma autoridade do seu pai. Segundo, esse cenário não lida de forma clara com o governo legítimo do presidente Hadi e seu vice, Ali Mohsen. Este tem se manifestado ardorosamente contra Ahmed tomar o poder. A preparação de Ahmed pelo seu pai para assumir o poder no futuro está entre os motivos que fizeram Mohsen se virar contra Saleh em 2011. Finalmente, o governo saudita fez muitos esforços para apoiar a legitimidade do presidente Hadi, mesmo quando não foi politicamente benéfico ou conveniente. Os sauditas não querem dar a impressão de que estão instalando um governo em Sanaa,” explicou DeLozier.
“Deixando de lado as formalidades, focar em Hadi é um erro. Aquele em quem as pessoas devem ficar de olho é Ali Mohsen al-Ahmar, que, do jeito dele, é a cópia mais próxima de Ali Abdullah Saleh,” afirma Weddady. “Ele é um homem muito perspicaz, que possui consideráveis redes tribais e de apoio. Tem muita experiência em moldar a política do Iêmen. Ele é a pessoa que eu levo mais a sério agora.”
Lealdade conta pouco no Iêmen. Quem é seu aliado um dia pode facilmente virar seu inimigo de uma hora para outra. Saleh foi o mestre deste jogo, sendo aliado primeiro dos sauditas e americanos; responsável por ordenar a morte do líder dos houthis nos anos 1990; depois, aliando-se aos houthis em 2014. E, neste último fim de semana, queria reatar com os sauditas. “Governar o Iêmen é como dançar em cima de cabeças de cobras,” disse Saleh uma vez.
O Iêmen merece um cessar-fogo imediato para evacuar civis feridos e doentes e permitir que medicamentos e alimentos entrem e sejam distribuídos. Os iemenitas são os mais simpáticos e hospitaleiros do mundo árabe, mas ninguém acreditaria nisso vendo o país destruído hoje. É uma lástima que, por causa de uma minoria que quer controlar o país, o Iêmen tenha se esfarelado.
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