Um menino corre dentro da queimada mesquita Rabaah al-Adawiya em Cairo no dia 15 de agosto, 2013. (foto AP)
Com o esmagamento da Irmandade, um governo feito de civis vai ser eleito, mas com os militares controlando tudo atrás das cortinas
RASHEED ABOU-ALSAMH
O massacre de pelo menos 900 manifestantes pró-Mursi e o ferimento de mais de 4.000 nos dias 13 e 14 de agosto, quando forças da polícia e do exército egípcio atacaram a mesquita Rabaa al-Adawiya e a Praça Nahda, no Cairo, deixaram claro que os golpistas militares querem acabar com a Irmandade Muçulmana. A possibilidade de um acordo político para tirar o país do seu gravíssimo impasse foi encolhendo a cada tiro de metralhadora na cabeça ou coração de um manifestante, que na maioria das vezes somente tinham pedras como arma.
Varias mesquitas logo ficaram amontoadas com os corpos da violência do Estado contra os manifestantes, todos eles envoltos em lençóis brancos manchados, seus parentes botando sacos de gelo em cima para tentar desacelerar o inevitável apodrecimento. Foram talvez os dois dias mais violentos e fatais da história moderna do Egito. Com certeza uma grande parte da população egípcia, cansada dos dois acampamentos de manifestantes — aparentemente intermináveis — celebrou o fim desse aborrecimento no dia a dia deles. Mas a que custo? No dia 16 de agosto o primeiro ministro interino, Hazem el-Beblawi, propôs que a Irmandade seja banida de novo, e disse que o governo estava estudando a possibilidade.
O vice-presidente interino, Mohammed el-Baradei, que era visto como o mais liberal das figuras que apoiaram o golpe militar de 30 de junho, renunciou a seu posto no dia 14 de agosto em protesto contra o excessivo uso de força pelos militares e o alto número de mortes. “Eu não aguento a responsabilidade por uma gota de sangue”, ele escreveu na sua carta de demissão.
Os militares agora estão fazendo de tudo para acabar com a moral dos Irmãos e seus apoiadores, chamando os manifestantes pró-Mursi de terroristas, e forçando parentes de manifestantes mortos em confronto com as forças de segurança a registrar suas mortes como suicídios. O supremo guia da Irmandade, Mohammed Badie, foi preso no dia 20 de agosto, e ele, Mursi, Khairat Shater e mais dois lideres da Irmandade vão ser julgados, acusados de incentivar assassinatos e outras alegações igualmente ridículas.
Para aguçar a polarização ainda mais, a Arábia Saudita anunciou ajuda financeira para o novo regime militar egípcio de US$ 12 bilhões, vindos dela, dos Emirados Árabes e do Kuwait. Os EUA até agora não chamaram o golpe de “golpe”, o presidente americano Barack Obama preferindo se contorcer numa ginástica verbal para não falar a tão temida palavra. A razão dada é porque os americanos não querem ser forçados a cancelar a ajuda militar de US$ 1,3 bilhão ao ano que dão para os egípcios. Por enquanto, os americanos falam que a ajuda militar está suspensa, apesar de não haver nenhuma transação ocorrendo neste momento com o Egito.
Por que esta ajuda bilionária dos países do Golfo? A resposta é simples: nenhuma das famílias reais no poder nesses países gosta do discurso da Irmandade, que mistura a política com a religião de uma maneira — até recentemente — tão bem-sucedida. A família real saudita, em especial, tem governado a Arábia Saudita desde sua fundação em 1932 por um acordo com seu estabelecimento religioso, e por isso tem visto a Irmandade por décadas com medo e admiração. Os lideres do Golfo não querem que surja um modelo de democracia islâmica para competir com seus governos autocráticos, muito menos em um país tão perto, do outro lado do Mar Vermelho.
Os erros da Irmandade foram muitos. A revista “The Economist” aponta como um ponto fatal o fato de a Irmandade ter feito esforços demais para se aproximar dos militares durante o ano em que Mursi governou como presidente, ignorando completamente as forças políticas não islamitas. Os militares tomaram vantagem disso, mas nunca deixaram de representar as forças políticas e econômicas dos anos em que Hosni Mubarak reinou como presidente. Na verdade, depois de 30 anos de Mubarak no poder, a revolução de 2011 que derrubou o ditador deixou no lugar milhares de funcionários nos tribunais e no Ministério do Interior, fiéis ao que ele representa e profundamente contrários à Irmandade.
Com um tribunal no Cairo autorizando que Mubarak fosse solto, supostamente porque não há mais nenhuma base legal para ele continuar na prisão, parece que estamos tendo uma volta ao passado. Com certeza, Mubarak nunca mais governará o Egito, mas está claro que uma democracia plena também não vai ser instituída. Com o esmagamento da Irmandade, um governo feito de civis vai ser eleito, mas com os militares controlando tudo atrás das cortinas.
Estimativas apontam que 30% dos egípcios ainda apoiam a Irmandade. Isso não é uma maioria, mas mesmo assim é uma proporção significativa. Para tentar haver um novo governo que represente todos os egípcios, os militares vão ter que incluir representantes da Irmandade. Vai ser difícil depois da matança, das prisões e da demonização da Irmandade, e não acho que os militares estejam com vontade de fazer isso.
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