Um trabalhador etíope discute com um policial saudita na capital Riad no dia 11 de novembro, 2013, enquanto espera ser deportado com outros ilegais. (foto Reuters)
O governo tem que assumir a liderança para achar uma solução satisfatória para sauditas e os estrangeiros
Rasheed Abou-Alsamh
A cena de trabalhadores estrangeiros se manifestando nas ruas da capital, Riad, semana passada, contra as medidas do governo da Arábia Saudita de tentar pôr um fim aos números enormes de ilegais era um pouco surreal para um país onde quase ninguém sai às ruas para protestar. Mas o que ocorreu na noite de 9 de novembro foi mais uma baderna misturada com um motim do que uma manifestação. Mais de mil etíopes desceram uma rua do bairro de Manfuhah, incluindo pelo menos 76 mulheres, jogando pedras grandes nos vidros de carros estacionados lá e contra policiais e outros sauditas. Mais de 104 carros foram danificados e lojas foram saqueadas. Um homem saudita atingido na cabeça por uma pedra morreu na hora, e dois etíopes também morreram.
Tudo isso porque o período de anistia que o governo saudita tinha declarado sete meses atrás tinha acabado no dia 3 de novembro, e aqueles ilegais que não conseguiram regularizar sua situação iam ser deportados para seus países de origem e colocados numa lista negra, que os impediria de retornar. De uma população total de 27 milhões, cinco milhões desses são estrangeiros, a maioria trabalhando legalmente no reino.
Até hoje 17.000 estrangeiros ilegais se renderam à polícia em Riad, conforme noticiou o diário “Arab News”. Nas regiões oeste e sul do pais, 20.000 ilegais já foram detidos, a maioria da Indonésia e do Iêmen. Apenas na cidade de Jeddah, 12.091 estrangeiros foram presos. Na província de Jizan, no sul do país, 11.000 iemenitas foram presos, noticiou o diário.
Então, como surgiu esse grupo imenso de ilegais? De duas formas: aqueles muçulmanos que entraram no país com um visto de peregrino para ir a Meca, e outros que entram com vistos de trabalho que compram ilegalmente no vasto mercado negro desse tipo de documento. Os peregrinos viram ilegais depois de seus vistos expirem e eles ficarem no país trabalhando. Os que compram seus vistos de trabalho na maioria das vezes não trabalham com quem foi seu patrocinador do visto, o que é ilegal.
Eles pagam uma quantia salgada para comprar o visto, e depois pagam um tipo de taxa para o patrocinador cada ano e quando forem renovar o visto a cada dois anos. E quem pode pedir vistos de trabalho do governo? Somente sauditas que têm um registro comercial, e muitos deles são príncipes que tornaram esse comércio algo muito lucrativo.
Muitos sauditas e estrangeiros já vêm pedindo por anos pela abolição desse sistema de patrocínio de trabalhadores estrangeiros por causa da montanha de corrupção e problemas legais que ele tem gerado. O governo saudita tem anunciado regularmente que está estudando medidas para abolir esse sistema, mas até hoje nada foi feito.
Altas taxas de desemprego entre os sauditas, especialmente homens abaixo de 30 anos e mulheres, é o que está motivando esse programa de nacionalização de empregos. O desemprego total está estimado entre 10,7% e 12% em 2012, com 6,3% de homens sauditas sem emprego e 34,8% de mulheres sauditas desempregadas. Uma preocupação com a segurança nacional também esta motivando essa repressão de ilegais. O governo culpa ilegais por um salto na criminalidade, especialmente assaltos, tráfico de drogas e prostituição.
Mas o imenso numero de ilegais que fizeram filas por dias a fio em frente aos escritórios de imigração no país inteiro sobrecarregou os funcionários públicos, que não deram conta de atender tantas pessoas em somente sete meses.
Alguns sauditas ficaram felizes com a aplicação de medidas severas contra os ilegais, dizendo que os serviços públicos, como água e energia, foram sobrecarregados com tantos estrangeiros no país. Mas a escassez de mão de obra já está sendo sentida em todo o país, com lojas, lavanderias, cafés, lanchonetes e empresas inteiras fechando suas portas por causa disso. Escolas particulares também sofreram quando professoras estrangeiras que não conseguiram ajustar seu status de imigração a tempo foram forçadas a deixar o país. Metade das empresas contratantes já fechou as portas por falta de mão de obra.
Outros trabalhadores estrangeiros estão numa situação incerta porque seus empregadores sauditas não puderam renovar suas iqamas, ou permissão de trabalhar, por causa do programa de nacionalização de empregos. O governo tem estabelecido metas de nacionalização, e empresas que não atingem níveis satisfatórios são punidas com multas e a não renovação de iqamas dos seus empregados estrangeiros. Isso levou os garis estrangeiros de Meca e Medina a entrar em greve por dois dias na semana passada por atraso de salários e por não ter suas iqamas em mãos.
Eles temiam ser presos depois que quatro dos seus companheiros de trabalho foram detidos por não terem documentos. O lixo ficou empilhado nas ruas das duas cidades sagradas, mas os salários dos garis foram pagos e eles voltaram ao trabalho.
“O governo devia considerar a abolição desse sistema de patrocínio porque ele é a razão de estarmos nesta bagunça”, escreveu o colunista saudita Mahmoud Ahmad no jornal “Saudi Gazette” esta semana. “O governo poderia ser o patrocinador de trabalhadores estrangeiros”, ele propôs. Eu concordo com ele. O governo tem que assumir a liderança para achar uma solução satisfatória para sauditas e os estrangeiros. Os dois lados precisam um do outro, e a bagunça do velho sistema de patrocínio de trabalhadores está mostrando o quanto o sistema atual está podre e precisa ser reformado.
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