O primeiro ministro libio Ali Zeidan durante uma entrevista em julho 2013. (foto Reuters)
É irrealista esperar que a Líbia se torne um Estado modelo em um piscar de olhos
ARTIGO - RASHEED ABOU-ALSAMH
Por um breve momento na semana passada, oito horas para ser mais exato, o primeiro-ministro da Líbia, Ali Zeidan, foi sequestrado por membros da Célula de Operações dos Revolucionários da Líbia, um grupo de ex-rebeldes que não está contente com a atuação dele. Fortemente armados, eles tiraram o primeiro-ministro de sua cama às 4h no hotel onde ele trabalha e mora por supostamente ser mais seguro. Horas depois que outras forças de segurança do governo o resgataram numa delegacia de policia onde ele estava sendo mantido, Zeidan retornou ao seu escritório às 13h30m do mesmo dia. Abatido, ele não poupou palavras para criticar seus sequestradores, dizendo que iam ser processados por tentar um golpe contra o Estado.
Não é nenhum segredo que a Líbia enfrenta sérios problemas mais de dois anos depois do fim da guerra civil que culminou com a morte do ditador Muammar Kaddafi. O governo central continua muito fraco e somente pode dizer que controla a capital, Trípoli. O resto do país é governado por varias milícias que não acatam a autoridade do governo central. Por isso, a produção de petróleo despencou de três milhões de barris por dia para somente 700.000 barris por dia. O governo líbio depende da venda de petróleo para obter 90% de sua renda. Mas, mesmo com a renda que lhe resta, o governo tem enfrentado problemas em financiamento de projetos. Recentemente, Zeidan pediu três milhões de libras esterlinas para mandar soldados para treinamento no Reino Unido. O Congresso líbio recusou o pedido e aí ficamos com a mesma falta de um exército central forte.
O legado que Kaddafi deixou, depois de 42 anos de ditadura brutal que não aceitava nenhuma oposição e que não permitiu o desenvolvimento de instituições de governança e justiça, é de um povo desunido, cada grupo querendo mandar na sua região. Esse é o maior problema que a Líbia enfrenta no seu caminho perigoso para ser um país mais democrático, livre e justo para todos.
“As angústias da Líbia devem ser entendidas em seus próprios termos, e não através de generalizações superficiais sobre a primavera árabe se tornando em um inverno. Se os analistas de hoje falam do ‘Estado profundo’ no Egito, no qual seu exército tem um papel de liderança, a Líbia tem sido apropriadamente chamado de ‘Estado apátrida’, não só pela falta de forças de segurança, mas porque foi deixada por Kaddafi desprovida de quase todas as instituições de governança modernas”, escreveu Ian Martin, o ex-chefe da missão da ONU na Líbia, recentemente no jornal “The Guardian”.
Martin conclui que o sucesso das eleições parlamentares no ano passado não foi suficiente para unir o país, que ainda sofre com as três maiores regiões querendo ter autonomia desde a sua independência da Itália em 1951. Durante os 42 anos de governo, Kaddafi conseguiu reprimir essas tendências separatistas governando com punho de aço. Os líbios que lutaram para se verem livres do ditador obviamente não querem um retorno para uma ditadura, mas também anseiam por um governo central forte, que dê conta de proteger os direitos e as liberdades de todos os líbios, e não somente de alguns.
O rápido fracasso do sequestro de Zeidan seja talvez um sinal importante de que a maioria dos líbios, mesmo aqueles que não apoiam o primeiro ministro, não quer uma volta para a violência e falta de liberdade de uma ditadura. O maior bloco de opositores no parlamento é da Irmandade Muçulmana, que não gosta de Zeidan por ser um liberal, ex-advogado de direitos humanos que voltou do exílio na Suíça para tentar ajudar a governar seu país. Mohammed Sawan, um líder da Irmandade, disse que o partido dele vem tentando demitir Zeidan usando meios constitucionais, mas que não tinha achado uma boa alternativa. Para o britânico Michel Cousins, que é editor-chefe do jornal “Libya Herald”, em Trípoli, o sequestro de Zeidan foi uma conspiração contra a democracia que fracassou. “As pessoas que o levaram pensaram que iam ser heróis, mas todo o governo ficou do lado de Zeidan. Muitas pessoas que não gostam de Zeidan ficaram horrorizadas com isso”, disse ele ao “Guardian”.
Os países ocidentais que ajudaram os rebeldes líbios a derrotar Kaddafi, nomeadamente os EUA, Grã-Bretanha e França, agora se veem em uma situação difícil. O crescimento de grupos islâmicos radicais no país, alguns ligados à Al-Qaeda, e os ataques que eles têm deflagrado contra interesses ocidentais, principalmente em Benghazi, deu pausa para esses governos ocidentais que agora tomam cuidado de não parecer cooperar publicamente demais com o governo líbio. Esses governos e a União Europeia querem ajudar os líbios a terem um governo central forte e democrático, mas a competição entre as facções armadas líbias e uma antipatia de alguns deles com não muçulmanos frearam isso.
Ao contrário dos negativistas de plantão, que saltam para declarar a Líbia um estado falido, eu continuo otimista e acho que o povo líbio em geral está muito feliz e grato de se ver livre de Kaddafi e seus apoiadores. Qualquer transição para a democracia, especialmente depois de décadas de ditadura, vai ser difícil. É irrealista esperar que a Líbia se torne um estado modelo em um piscar de olhos. O caminho vai ser longo e penoso, mas tenho fé que os líbios vão chegar lá.
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