Crianças palestinas, feridas num ataque aéreo israelense a um prédio da ONU que abrigava civis, recebem tratamento médico em Gaza em julho 2014. (foto AP)
Essa coluna foi publicada no O Globo no dia 25/07/2014:
Por Rasheed Abou-Alsamh
Nenhum país admitiria ficar desarmado e à mercê do antigo inimigo, que comanda o sexto maior Exército do mundo
É incrível que, mais de duas semanas depois do começo da guerra entre Hamas e Israel, ninguém está discutindo a proposta do grupo palestino para pôr um fim às hostilidades. As dez demandas do Hamas não têm nada de extraordinário, pelo contrario, são itens que já foram discutidos várias vezes com Israel no passado, mas nunca implantados.
O Hamas está pedindo a soltura dos mais de 400 palestinos presos por Israel desde o dia 23 de junho, quando três adolescentes israelenses foram mortos. Eles também pedem o fim do bloqueio naval e terrestre da Faixa de Gaza por Israel e o Egito, com a completa reabertura das passagens de fronteira, que basicamente estão fechadas há sete anos. Pedem o estabelecimento de um aeroporto e porto de mar internacionais em Gaza, e a reabertura permanente da passagem de Rafah com o Egito, sob supervisão das Nações Unidas. Também pedem a reabilitação das zonas industriais de Gaza e que Israel evite interferir no governo de unidade entre o Hamas e a Autoridade Palestina na Cisjordânia. Finalmente, pedem a expansão da zona de pesca no Mar Mediterrâneo por seis milhas náuticas. Em troca, o Hamas promete cessar qualquer hostilidade contra Israel pelos próximos dez anos.
O silêncio estrondoso que veio dos israelenses e americanos não foi surpreendente. Afinal, não é nenhum segredo que o primeiro-ministro israelense Benjamin Netanyahu odeia o Hamas, mas gosta de tê-los ali em Gaza para atrapalhar as negociações de paz com os palestinos e, ultimamente, impedir a realização de um Estado palestino independente e livre, formado por Gaza e a Cisjordânia. Um Hamas radical e fortemente armado, lançando mísseis em direção a Israel a cada dois anos, aliado com o crescente número de assentamentos judeus na Cisjordânia — autorizados pelo governo de Netanyahu — é a formula perfeita de nunca alcançar um tratado de paz final com os palestinos e assim deixá-los vivendo debaixo do punho punitivo e implacável de Israel.
Colunista do jornal israelense “Yedioth Ahronoth”, Ben-Dror Yemini concorda comigo em parte, escrevendo que Israel deveria aceitar todas as demandas do Hamas, e até mais, para, em troca, o grupo palestino se desarmar. Ele diz que isso é necessário para demonstrar a boa vontade de Israel em negociar um cessar-fogo e uma paz duradora, especialmente agora que o país esta sofrendo tanto no tribunal da opinião pública internacional por causa dos mais de 700 civis palestinos mortos em Gaza pelos bombardeios israelenses, incluindo mais de cem crianças, e os mais de 4.240 feridos.
Mas é extremamente improvável que o Hamas se desarme. Afinal, o que vai ganhar em troca? Um estado palestino independente, totalmente livre do controle de Israel? Não. E, além disso, nenhum país do mundo aceitaria ficar totalmente desarmado e à mercê do seu antigo inimigo (Israel), que comanda o sexto maior Exército do mundo e tem armas nucleares. Essas são demandas irreais.
O que vimos nesta semana mais uma vez foi o vergonhoso apoio da administração do presidente americano Barack Obama à ofensiva brutal de Israel em Gaza, de novo usando bombas americanas pagas por contribuintes americanos para matar civis inocentes. Pelos cálculos da própria ONU, somente 110 dos mais de 700 palestinos mortos em Gaza até agora eram membros do Hamas. O acadêmico americano Stephen Walt escreveu um ótimo artigo no “The World Post” esta semana dizendo que a única explicação pela política moralmente falida de como lidar com Israel só pode ser dada pelo poder e influência que grupos de lobistas pró-Israel como a Aipac (American Israel Public Affairs Committee) exercem sobre a maioria dos políticos e o Congresso americanos. E tenho que notar que existem muitos lobistas de grupos cristãos da direita, que também são extremamente pró-Israel nos EUA. Isso levou a uma paralisia da verdade entre políticos americanos, com pavor de dizer a verdade quando palestinos são massacrados por Israel, por medo de que sejam punidos por grupos políticos nas próximas eleições. Se um político americano tiver a audácia de criticar Israel publicamente, não duvide que na próxima eleição os lobistas pró-Israel não irão poupar dinheiro para ajudar concorrentes, financiando anúncios na televisão e radio.
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Respondendo aos comentários do embaixador de Israel no Brasil, Rafael Eldad, em artigo publicado em 17 de julho, em reação à minha ultima coluna, devo dizer que não estou incentivando ódio a Israel. O Estado judeu, com sua chacina dos palestinos em Gaza, está fazendo isso ele mesmo.
Queria lembrar ao diplomata que dois dos estados árabes vizinhos de Israel, o Egito e a Jordânia, assinaram tratados de paz com o país em 1979 e 1994 respectivamente. E quanto à Síria, duvido que represente uma ameaça, já que está ocupada com uma guerra civil.
Finalmente, com Israel estrangulando a Faixa de Gaza desde sua retirada em 2005, não vejo como a área poderia ter se transformado em uma região próspera e vibrante. As constantes incursões, bombardeios e invasões israelenses têm deixado a faixa semidestruída a cada quatro anos. Como já disse, não acho que a solução seja o desarmamento do Hamas. Um estado independente e soberano em Gaza e Cisjordânia, com pleno controle palestino sobre suas fronteiras e espaço aéreo, bem como sobre sua economia e política, é que vai trazer paz com Israel. Algo menos do que isso só vai alongar o sofrimento de todo mundo.
Israel devia apostar num futuro verdadeiro para Gaza, abrindo as fronteiras e dando as condições para que o Hamas possa mostrar que está pronto a construir uma sociedade próspera e pacífica. Isso sim seria um teste de verdade para os dois lados.
http://oglobo.globo.com/opiniao/israel-deveria-aceitar-as-demandas-do-hamas-13369117
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