Aviões de caça russos.(Foto AFP)
Não se enganem: para os sauditas, não há nenhum papel para o ditador e seus aliados numa nova Síria pós-guerra
Por Rasheed Abou-Alsamh
Coluna publicada no O Globo de 16/10/2015:
O ditador Bashar al-Assad deve ter dado um suspiro de alívio no fim de setembro quando os caças russos começaram a bombardear alvos dos rebeldes sírios. Até aquele momento, as forças de Assad tinham perdido o controle de imensas áreas do país para os rebeldes e para o grupo extremista Estado Islâmico (EI). Com essa intervenção russa, Assad ganhou um pouco mais tempo de sobrevivência numa guerra civil que já dura mais de quatro anos.
Observadores ficaram surpresos quando a maioria dos alvos atingidos foi da oposição síria, mesmo aqueles do Exército Livre Sírio, que nem é um grupo radical islâmico. Mas os russos nunca prometeram se limitar unicamente a alvos do EI. Essa tem sido a prática dos americanos nos seus bombardeios diários à Síria, porque o presidente americano Barack Obama se recusa a enfrentar o ditador diretamente. Essa relutância americana tem produzido uma situação estranha na Síria, onde os EUA até recentemente estavam tentando treinar e armar rebeldes sírios que não eram extremistas islamitas. O problema que encontraram foi o fato de que os rebeldes mais capazes de enfrentar as tropas de Assad eram justamente aqueles grupos mais radicais como Jabhat al-Nusra, que é uma filial da al-Qaeda na Síria e no Líbano. Por isso, muitos riram quando o governo americano anunciou que tinha treinado somente cinco rebeldes, de um alvo inicial de cinco mil, depois de seis meses de preparativos.
Na semana passada, o Departamento da Defesa dos EUA anunciou que estava encerrando seu programa de treinamento de rebeldes sírios, para o qual os americanos tinham destinado uma verba de US$ 500 milhões. Obama, de forma temerosa, tentou se afastar desse fracasso quando seu porta-voz, Josh Earnest, argumentou que o presidente foi praticamente obrigado a aceitar o programa, apesar de suas profundas reservas sobre ele. Em todo caso, o programa secreto da Agência Central de Inteligência (CIA) americana de treinar rebeldes sírios vai continuar.
Com os aviões russos Su-24, Su-24M e Su-25SM voando em mais de 60 missões por dia, as tropas de Assad têm avançado nas províncias de Idlib, Hama e Latakia. Essa demonstração do poder russo tem deixado os americanos e seus aliados, principalmente os sauditas, numa posição desconfortável. Os sauditas têm apoiado os rebeldes sírios com armas e dinheiro, numa tentativa de derrubar Assad. Mas essa intervenção russa mudou a estratégia saudita. O ministro da Defesa saudita, príncipe Mohammad bin Salman, e o ministro saudita das Relações Exteriores, Adel al-Jubair, se reuniram na semana passada em Sochi, na Rússia, com o presidente russo, Vladimir Putin, e seu ministro de Relações Exteriores, Sergey Lavrov, para discutir a guerra na Síria. Isso levou Jubair a dizer, nas entrelinhas, que a Arábia Saudita aceitaria deixar Assad no poder por mais um tempinho, mas somente durante a transição para um novo governo que se formaria depois de eleições.
Essa mudança pequena na política saudita em relação à Síria veio junto com uma ordem do governo para jornais locais não criticarem os russos. Isso é importante porque, há até pouco tempo, os jornais sauditas eram muito críticos em relação ao apoio russo ao regime de Assad. Pode se dizer que os sauditas estão tendo um choque de realidade, percebendo que não podem bater de frente com os russos, e que talvez uma solução política seja a única maneira de pôr um fim a essa guerra civil que já matou quase 300 mil sírios. Mas não se enganem: para os sauditas, não há nenhum papel para Assad e seus aliados numa nova Síria pós-guerra.
Também pesou nessa pequena mudança na política saudita o fato de o reino estar meio atolado na guerra civil no Iêmen, onde os sauditas lideram uma aliança de países sunitas para enfrentar os rebeldes houthi e para tentar pôr de volta o presidente Abd Rabbuh Mansur Hadi no poder. Os sauditas, juntos com os emiratis, têm bombardeado o Iêmen diariamente, causando danos colaterais na forma de civis mortos. Já conseguiram retomar a cidade de Áden, no sul, mas o norte do país continua firmemente nas mãos dos houthis, e a maioria dos observadores não acha que a coalizão poderá retomar essa área — que inclui a capital Sanaa — sem derramar muito sangue de todos os envolvidos.
Resta o fato de que a Arábia Saudita e demais países do Conselho de Cooperação do Golfo (exceto Omã) pensam que o envolvimento iraniano na Síria, com sua ajuda militar e econômica ao regime de Assad, e no Iêmen, com sua suposta ajuda para os houthis, é uma ameaça direta ao poder deles. Com a redução do envolvimento americano na região, os países do CCG decidiram tomar a iniciativa de se defender de ameaças por conta própria. Por isso, é hora de os Estados Unidos voltarem a se engajar mais na diplomacia da região para poder achar um desfecho político no Iêmen e na Síria. Já morreu gente demais em ambos os países, e temos que apostar na diplomacia e nas negociações para dar um desfecho a essas duas guerras civis.
Leia mais sobre esse assunto em http://oglobo.globo.com/opiniao/intervencao-russa-compra-mais-tempo-para-assad-17788432#ixzz3qfJ3e9jl
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