Trabalhadores estrangeiros numa obra em Doha, Qatar.
Essa coluna foi publicada no O Globo de 07 de fevereiro, 2014:
Aeromoças da Qatar têm que ser solteiras e assinar termo prometendo não se casar por cinco anos ou ficarem grávidas
Rasheed Abou-Alsamh
Os arranha-céus reluzentes de Dubai e Doha fascinam os turistas vindos de todas as partes do mundo. Mas muito poucos deles param para pensar como esses prédios e companhias aéreas badaladas foram construídos com a mão de obra barata de trabalhadores estrangeiros que aceitam contratos onde não há muita proteção de seus direitos.
Esta semana o jornal sueco “Expressen” publicou uma longa investigação sobre a Qatar Airways intitulada “A verdade atrás do luxo da Qatar Airways”, que notou como essa companhia área restringe os direitos dos seus comissários de bordo e pilotos. Toda mulher contratada para ser aeromoça tem que ser solteira e assinar um termo prometendo não se casar por cinco anos ou ficar grávida. Pelo contrato, a Qatar pode demiti-las a qualquer momento sem ter que dar uma justificativa. Várias aeromoças suecas foram entrevistadas depois de serem demitidas por terem desrespeitado o toque de recolher nas suas acomodações em Doha. O texto também deixou claro que o chefe executivo da Qatar, Akbar Al-Baker, é severo e ditatorial em suas exigências com os funcionários.
Situação mais preocupante é a dos peões de obra em Doha — obrigados a trabalhar por 12 horas por dia, muitas vezes debaixo de um calor de mais de 40 graus durante o verão —, que estão morrendo. O jornal britânico “The Guardian” publicou ano passado reportagem que relatou a morte de 44 nepaleses em obras de construção somente entre junho e agosto de 2013, a maioria de ataque cardíaco. No mês passado, o jornal publicou outra matéria dizendo que foram 185 nepaleses mortos em Qatar em 2013.
Os holofotes estão sobre o Qatar porque este país vai sediar a Copa do Mundo de 2022 e, por isto, está num boom de construção alucinante para se preparar para esse megaevento. A exibição vaidosa da Qatar Airways, que gosta de alegar em suas propagandas que é a única aérea cinco estrelas do mundo, também atraiu críticos europeus chocados com a decaída de suas companhias antigas como a Air France e a British Airways, perdendo espaço e passageiros para as novas do Golfo, principalmente a Qatar e a Emirates.
Mas o estado precário de trabalhadores também existe na Arábia Saudita, onde as maiores queixas são substituição de contrato, salários abaixo do combinado, longas horas de trabalho sem hora extra, e a negação de férias pagas.
Eu já ouvi vários sauditas me dizerem que nenhum desses trabalhadores estrangeiros foi obrigado a aceitar trabalho no Golfo e que, em qualquer caso, eles deviam ganhar mais do que podiam em casa. É verdade no sentido literal que eles não foram obrigados a trabalhar no Golfo. Mas a pobreza gera necessidades básicas de sobrevivência, o que força muitas pessoas a trabalhar fora dos seus países nativos.
O governo do Qatar tem prometido melhorar as condições de trabalho para os peões de obra, mas as ONGs Anistia Internacional e Human Rights Watch continuam a contar os trabalhadores que estão morrendo no trabalho e não viram uma melhora substantiva nas condições de trabalho na área de construção civil.
Existe um vão muito grande entre as populações nativas do Golfo, que, junto com os ocidentais, se veem superiores e melhores do que o vasto número de trabalhadores, vendedores e empregados domésticos que são na sua maioria asiáticos vindos de Índia, Nepal, Paquistão e Filipinas. Eu li recentemente uma matéria no jornal “The National” que relatava como uma funcionária pública em Abu Dhabi, Shamma al Zaabi, de 27 anos, se sensibilizou com a sorte de trabalhadores de construção quando o ar-condicionado do seu carro falhou no verão passado. “Tive que voltar para casa no meu carro sem ar-condicionado, naquele calor infernal de mais de 40 graus. Quase não aguentei, e aí eu vi um ônibus sem ar-condicionado cheio de trabalhadores”, relata a jovem. “Foi aí que decidi começar uma campanha para ter uma lei que obriga empresas a ter ar-condicionado nos seus ônibus.”
Depois de meses de pesquisa, Shamma encontrou uma lei que especifica determinando que ônibus usados para transportar trabalhadores têm que ter ar-condicionado. Ela mandou o resultado da pesquisa para o Ministério do Trabalho, mas não teve êxito. O ministério insistiu que essa exigência de ter ar-condicionado não era uma lei, mas sim somente uma regulamentação. Uma fonte no ministério ainda disse ao diário que os peões de obra não podiam voltar para seus alojamentos em ônibus com ar-condicionado porque estariam sujos e suados, e o ar-condicionado ia deixá-los resfriados!
Mesmo com essa relutância oficial de fazer cumprir regulamentações trabalhistas, me deu ânimo ver Shamma se preocupar com o bem-estar de trabalhadores. Isso me dá esperança de que as condições de trabalho podem ser melhoradas, sim, nos países do Golfo. Só precisamos de mais pessoas como ela e funcionários públicos que possam ver a verdadeira intenção das leis trabalhistas.
Clique aqui para ler o original: http://goo.gl/23hoY9
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