Mulheres sauditas, finalmente, vão poder dirigir carros a partir de junho de 2018. A notícia — maravilhosa e revolucionária para o país conservador — foi divulgada esta semana depois que o rei Salman baixou um decreto ordenando a vários ministérios que formem um comitê para tratar do assunto e apresentar, num prazo de 30 dias, suas sugestões de como viabilizar a decisão.
A Arábia Saudita era o único país do mundo que ainda proibia mulheres de dirigir, e ativistas protestaram 27 anos para exercer o direito. Apesar de nunca ter existido uma lei que, por si só, proibisse a prática, o ultraconservadorismo social não deixava que elas se pusessem ao volante. Aquelas que se atreviam eram detidas e forçadas a assinar documentos prometendo a não cometer mais o delito.
“Hoje é um dia incrivelmente histórico para mulheres sauditas. Um importante símbolo de discriminação de gênero, que nós sofremos por décadas, foi finalmente desmontado,” escreveu uma ativista na internet. “A proibição a mulheres de dirigir nunca foi, e nunca será, simplesmente sobre dirigir. Foi sobre como imobilizar, desempoderar, silenciar e controlar as mulheres. Era para assegurar aos homens, tradicionais detentores do poder, que ainda reinavam,” acrescentou.
Em 1990, a primeira grande manifestação contra a proibição aconteceu nas ruas de Riad, onde 47 profissionais sauditas tomaram o volante de seus carros e dirigiram pelas ruas da capital. Todas foram detidas por um dia e muitas perderam seus empregos públicos. Chocados com a ousadia, grupos ultraconservadores fizeram listas com os nomes, endereços e números de telefone de todas elas e os distribuíram em mesquitas pelo país, xingando-as de vadias e destruidoras da família saudita.
Mas o tempo passa, o mundo muda e a população saudita rejuvenesceu. Com isso, veio uma mudança de geração que levou a opinião pública a ver as coisas da vida com menos extremismo e mais pragmatismo. Filho do rei Salman, o príncipe herdeiro Muhammad bin Salman (MBS), de 32 anos, está liderando esta mudança radical no reino. Ele notou que os jovens não tinham muitas opções de lazer além de ficar rodando de carro nas ruas no fim de semana. Mandou então instituir uma autoridade responsável pelo entretenimento, que tem trazido espetáculos de outros países para a Arábia Saudita.
MBS também viu que as sauditas estavam sendo sufocadas pelas restrições sociais e, por isso, apoia reformas que lhes dão mais poder e liberdade. Mas estas mudanças começaram anos atrás, quando o rei Abdullah deu a elas o direito de votar em eleições municipais, em 2015, e nomeou 30 mulheres para o Conselho de Shoura, em 2013.
Mesmo assim, circulam boatos de que, inicialmente, haverá restrições. Um deles diz que somente mulheres com 30 anos ou mais vão poder dirigir e que, num primeiro momento, não será permitido nos fins de semana.
A jornalista saudita Abeer Mishkhas, que há anos apoia a luta das mulheres para dirigir, me disse que acha que o governo vai ser cauteloso no início para evitar conflitos nas ruas.
“Eu não acho que mulheres de 18 a 29 anos vão ser autorizadas a dirigir no início, em parte por causa dos possíveis confrontos nas ruas e também para ter certeza de que tudo vai se desenrolar sem problemas,” afirmou Abeer.
Até hoje, sauditas têm sido obrigadas a contratar motoristas estrangeiros — a maioria de Indonésia e Paquistão — para se deslocar. Mas a alternativa tem um custo alto, porque elas têm que pagar os vistos, passagens áreas até o reino, abrigo e comida, além dos salários dos profissionais.
O site de notícias “Al Arabiya English” compilou dados da Autoridade Geral de Estatística do governo e publicou uma matéria esta semana dizendo que há 1,3 milhão de motoristas estrangeiros no país. O órgão governamental estima que famílias sauditas gastem mais de US$ 6,7 bilhões por ano com motoristas vindos de outros países.
Vários críticos de plantão do reino disseram que o governo saudita decidiu autorizar as mulheres dirigirem agora só para tirar a atenção do suposto fracasso das políticas de intervenção na Síria e no Iêmen. Mas, para mim, a crítica não é válida. O importante é que elas, finalmente, conseguiram, o que vai ajudar muito o seu desenvolvimento econômico e social.
Durante anos, as sauditas dependeram de seus pais, irmãos, maridos e motoristas para as levarem de carro a escola, trabalho, supermercado, médicos, universidade ou simplesmente ao shopping para encontrar amigas. Isso gerou enorme estresse e frustração para elas e para os condutores masculinos.
Com a nova lei, as mulheres não vão ficar mais reféns de homens para se deslocar. Agora, além de ser proprietárias de veículos, elas vão poder conduzi-los.
“Eu vou comparar o carro dos meus sonhos, um Mustang conversível, e vai ser preto e amarelo!,” disse a ativista Sahar Nassif à BBC.
Eu não tinha muita esperança de viver para ver esta mudança, mas estou eufórico com a notícia. Pena que minhas tias que eram proprietárias de carros nunca poderão sentir a liberdade de se sentar atrás de um volante e dirigir numa estrada aberta.
Esta coluna foi publicada no O Globo de 29/09/2017.
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