O rei Abdullah da Arabia Saudita, de branco, recebendo uma delegacao egipcia em Riade para um jantar na quinta feira. (foto SPA)
Essa é minha coluna que foi publicada no O Globo de 4 de maio, 2012:
Rasheed Abou-Alsamh
Um dos efeitos colaterais dos levantes árabes, a Primavera iniciada um ano e meio atrás, tem sido a recalibragem das relações entre a monarquista Arábia Saudita e o Egito revolucionário. Enquanto o povo egípcio deu um basta na ditadura do Hosni Mubarak, e agora vai ter no dia 24 de maio suas primeiras eleições presidenciais verdadeiramente democráticas, o rei Abdullah ibn Abdulaziz Al-Saud deu mais dinheiro e subsídios aos sauditas numa tentativa de manter os levantes longe do reino.
Mas a prisão do advogado e ativista de direitos humanos egípcio Ahmed El-Gizawi em Jeddah no dia 18 de abril por suposto tráfico de drogas, quando ele e sua esposa estavam indo para Meca fazer o umrah, ou peregrinação menor, provocou um choque nas relações entre o Egito e a Arábia Saudita. Por 42 anos, desde a morte do presidente Gamal Abdel Nasser em 1970, que foi um grande nacionalista árabe e antimonarquista, o Egito se reaproximou do reino e nunca fez nada para contrariar os sauditas, exceto o tratado de paz com Israel em 1978, que deixou o Egito expulso da Liga Árabe e isolada por um tempo.
A derrubada de Mubarak no dia 25 de janeiro, 2011, mudou tudo. Os sauditas ficaram furiosos com os militares egípcios, primeiro, por terem retirado seu apoio crítico para Mubarak, e depois por não deixarem o ditador e sua família pedir asilo político no reino.Mas a prisão de El-Gizawi também não agradou aos egípcios, que fizeram várias manifestações em frente à embaixada saudita no Cairo e ao consulado em Alexandria, lançando críticas duras contra o povo saudita e o rei. Isso foi demais para o governo saudita, que chamou o embaixador Ahmed Qattan de volta para Riyadh para consultas na semana passada, e fechou as repartições diplomáticas sauditas no Egito, alegando falta de segurança.
É bom lembrar que as relações egípcias-sauditas já sofreram abalos bem mais severos desse atual, como o de 1962- 1967, quando o presidente Nasser mandou 55 mil tropas egípcias para lutar na guerra civil do Iêmen ao lado dos republicanos contra a dinastia bastante medieval dos Hamiduddin, que contou com o apoio da Arábia Saudita e da Jordânia. Na época, relações diplomáticas foram rompidas entre o Egito e a Arábia Saudita, o que dificultou muito a vida dos sauditas que estudavam e moravam no Egito.
A diferença hoje é que o Egito está sendo governado por uma aliança entre os parlamentares, eleitos democraticamente, e os militares do Supremo Conselho das Forças Militares (Scaf). Os militares têm plena consciência do poder popular, e por isso têm deixado a maioria das manifestações se desenrolar sem interferência. E é esse novo ar de democracia popular no Egito que está deixando os sauditas confusos e com medo do que pode acontecer.
Nenhum dos dois lados quer ver a crise se alastrando por muito tempo. O Egito tem pelo menos 1,2 milhão dos seus cidadãos trabalhando na Arábia Saudita, e o reino já desembolsou US$ 500 milhões sete meses atrás para ajudar o Egito, e tem prometido até US$ 1 bilhão em ajuda adicional, e US$ 750 milhões para comprar obrigações do Tesouro egípcio. E é por causa dessas apostas financeiras tão altas que o chefe da Scaf, Marechal de Campo Mohamed Hussein Tantawi, ligou para o rei Abdullah na semana passada para lhe assegurar de quanto o Egito preza suas relações com a Arábia Saudita.
O advogado El-Gizawi tinha movido vários processos no Egito para ajudar trabalhadores egípcios em apuros na Arábia Saudita, citando o próprio rei Abdullah como réu, o que levou ele a ser sentenciado no reino, em ausência, a um ano de prisão mais 20 chibatadas por desrespeitar o rei. Para complicar o caso dele, a polícia saudita disse que encontrou 20 mil pílulas, de uma droga antiansiedade, escondidas na bagagem dele em caixinhas de leite. O tráfico de drogas no reino leva à pena de morte. Muitos egípcios acreditam que as drogas foram plantadas reina bagagem do El-Gizawi para enquadrá-lo. Afinal, eles apontam, somente o peso das pílulas em si não deixaria espaço para ele trazer mais coisas na franquia de bagagem.
Vários oficiais sauditas já disseram que as repartições diplomáticas sauditas no Egito vão reabrir até a semana que vem, e que o embaixador Qattan vai voltar ao Cairo dentro de duas semanas. Mas, com a notícia no jornal israelense Haaretz que tinha um suposto plano para o assassinato do Qattan em Cairo, e com o recente assassinato de um diplomata saudita em Dhaka no Bangladesh, talvez os sauditas estejam somente tomando precauções necessárias para se proteger.
Para mim, os sauditas estão percebendo que há limites para sua política de comprar apoio de outros países. Afinal, o dinheiro nunca trouxe amigos duradores, e, como os sauditas estão aprendendo nessa onda de levantes, o dinheiro também gera muito ressentimento que se desenvolve em desgosto para a política externa da Arábia Saudita.
Os riscos para ambos os lados são demasiado elevados para as relações ficarem abaladas por muito tempo. O Egito precisa da ajuda financeira saudita, e os sauditas precisam do peso do Egito como o país árabe mais populoso e sunita para servir como baluarte contra a expansão da influência iraniana e xiita na região.
Noticia de ultima hora: O embaixador saudita ja voltou para o Cairo no dia 5/5/2012, e a embaixada e consulados sauditas vao reabrir no domingo, dia 06 de maio, 2012.
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