Americanas protestam a ordem executiva do Presidente Donald Trump restringindo a entrada de cidadãos de sete países de maioria muçulmana, no aeroporto de JFK em Nova York.
Esta coluna foi publicada no O Globo de 03/02/2017:
O que causa medo é o fato de Trump estar agindo de forma excessiva para agradar à sua base republicana, conservadora
Por Rasheed Abou-Alsamh
Aordem executiva que o presidente Donald Trump assinou na semana passada suspendendo temporariamente a entrada de cidadãos de sete países de maioria muçulmana nos EUA provocou caos em aeroportos do país e gerou mal-estar em progressistas americanos.
Ninguém nega que os EUA podem e devem defender suas fronteiras e não deixar terroristas entrarem no país. Toda nação soberana tem o direito e o dever de defender seus cidadãos e o território nacional. O problema foi o jeito repentino e mal pensado com que a ordem executiva passou a vigorar. Muitas autoridades de alto escalão do governo não sabiam da nova restrição porque não foram consultadas; embaixadas americanas não foram avisadas. Nem os oficiais de imigração nos aeroportos dos Estados Unidos tinham ideia da nova ordem.
Trump se defendeu dizendo que o governo americano queria pegar terroristas tentando entrar nos EUA de surpresa e, por isso, não deu um prazo mínimo de uma semana ou dez dias antes de a ordem entrar em vigor. E nos primeiros dias em que a determinação valeu, até estrangeiros com residência permanente, mas cidadãos dos sete países na lista suja, foram impedidos de entrar no país.
Grupos de ativistas imediatamente foram para os maiores aeroportos internacionais americanos para protestar contra a restrição, e advogados ofereceram gratuitamente seus serviços a imigrantes detidos. A ONG que defende direitos civis American Civil Liberties Union (ACLU) entrou com uma ação na Justiça para suspender a ordem executiva. Uma juíza federal concordou em parte com eles e ordenou que todos os imigrantes detidos pelas autoridades americanas não sejam mandados de volta para seus países de origem. Mais quatro juízes federais em diferentes partes do país concederam decisões similares.
Mas isso não impediu que alguns oficiais de imigração no aeroporto JFK, em Nova York, coagissem vários imigrantes, com vistos válidos, a assinar termos que cancelassem a autorização de entrada e os mandasse de volta a seus países de origem. Isso é uma tática usada em ditaduras, não numa democracia.
Ao mesmo tempo, ficamos sabendo que Trump tinha demitido um grupo inteiro de funcionários de segundo escalão do Departamento de Estado, que, com o novo secretário de Estado, Rex Tillerson — confirmado pelo Senado apenas no dia 1º de fevereiro —, deixa os EUA despreparados para lidar com os problemas do mundo. Com efeito, os Estados Unidos tiveram que declinar do convite russo de participar das negociações do cessar-fogo da guerra síria que Moscou está mantendo no Cazaquistão; apenas enviaram seu embaixador em Astana.
Trump suspendeu a entrada de cidadãos de Síria, Líbia, Iraque, Irã, Iêmen, Somália e Sudão, alegando que tinha que fortalecer o processo de verificação dos antecedentes de todos os interessados em ir para os EUA. Ele disse que esses cidadãos iam ser submetidos a uma verificação extrema (extreme vetting, em inglês). Muitos críticos destacam o fato de a Arábia Saudita — país do qual 15 dos 19 terroristas dos ataques de 11 de setembro vieram — e o Egito não estarem na lista de exclusão. Dias se passaram sem que o governo Trump explicasse o motivo. Até que, na terça-feira, uma integrante de transição da administração Trump, Jan Halper-Hayes, disse numa entrevista à BBC News que a Arábia Saudita e o Egito escaparam da lista suja porque suas agências de inteligência dão todas as informações necessárias aos americanos.
E isso faz sentido. A Arábia Saudita e o Egito têm sido aliados cruciais dos EUA na sua luta contra o extremismo islâmico no Oriente Médio, compartilhando inteligência com os americanos e ajudando na luta contra o Estado Islâmico. Em contraste, quase todos os países na lista suja são estados falidos (Líbia, Síria, Iêmen, Somália e Iraque) ou hostis aos EUA (Irã e Sudão).
O que causa medo é o fato de Trump estar agindo de forma excessiva para agradar à sua base republicana, conservadora e cristã. A imposição de restrições à entrada de muçulmanos dos sete países, com certeza, foi música para os ouvidos daqueles que o apoiam e acham que toda a religião do Islã está numa guerra santa com o Ocidente por querer aplicar a lei islâmica, ou sharia, no mundo inteiro. E Trump não deixou dúvidas quanto às suas intenções, ao dizer a uma emissora cristã que ia favorecer a entrada de refugiados cristãos da Síria e do Iraque, em detrimento dos demais. Isso é irônico, porque a maioria esmagadora das vítimas do Estado Islâmico tem sido muçulmana.
E essa base de trumpistas é contra o aborto, a aumento do salário mínimo, o Obamacare e o casamento gay. A nomeação do juiz Neil Gorsuch no dia 31 de janeiro para a Suprema Corte deixou claro que vamos ter quatro anos de guerras culturais entre os republicanos e os democratas. Gorsuch é contra a eutanásia, muitas vezes favoreceu grandes corporações e não vai ser simpático aos direitos das mulheres ou dos homossexuais.
Os republicanos já estão se queixando de que os democratas estão tentando obstruir todas as nomeações de Trump. Mas não foi isso que os republicanos fizeram com Barack Obama durante oito anos?
Trump tem que zelar pela segurança da nação, mas também não deve estrangular a imigração vinda de países muçulmanos só porque teme que alguns sejam terroristas. Imigrantes passam por rigoroso exame antes de chegar ao país, e a maioria dos terroristas nos EUA depois de 11 de setembro é americana, e não nova imigrante. Os Estados Unidos não podem se isolar por medo. Se fizerem isso, os terroristas vão ter ganho a guerra de propaganda.
Leia mais sobre esse assunto em http://oglobo.globo.com/opiniao/devemos-resistir-ao-isolamento-dos-eua-20866251#ixzz4XpAS0AIm
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