O presidente do Irã Hassan Rouhani. (foto Reuters)
Essa coluna minha foi publicada no O Globo no dia 04/10/2013:
Com certeza o Irã e os EUA não vão ser melhores amigos neste momento, mas podem assumir o papel de conhecidos que se respeitam e se falam
RASHEED ABOU-ALSAMH
A conversa telefônica de 15 minutos entre o novo presidente iraniano Hassan Rouhani e o presidente americano Barack Obama, no dia 27 de setembro de 2013, quebrou 34 anos de silêncio entre os líderes dos EUA e do Irã. Esse feito foi comemorado por americanos e iranianos querendo uma quebra na guerra fria que reina entre os dois países desde que a embaixada americana foi tomada em Teerã, em novembro de 1979, por estudantes radicais, apoiadores da revolução islâmica que derrubou o Xá Mohammed Reza Pahlavi e botou no lugar dele o Aiatolá Khomeini e um estado islâmico.
Para os mais cínicos, as matérias efusivas na imprensa americana sobre a conversa telefônica foram nada menos do que escandalosas, por botar a fé americana em umas meras palavras doces e sorrisos de um líder iraniano. Na mente deles, Obama estava entregando a chave da respeitabilidade da comunidade internacional para um regime iraniano no qual não se pode confiar, e que com certeza vai enganar o Ocidente e daqui a uns anos — depois de as sanções contra o Irã serem levantadas — explodir uma bomba atômica e apresentar ao mundo um fato consumado, bem como a Coreia do Norte fez em 2005 depois que o Ocidente levantou sanções contra aquela ditadura.
Com certeza somente alguns meses atrás ninguém achava que Rouhani ia ganhar as eleições iranianas em junho 2013, e ainda por cima no primeiro turno com 55,88% do voto popular. Mas ele é uma figura importante no governo iraniano faz mais de duas décadas, liderando as negociações nucleares do Irã com o Ocidente de 2003 até 2005. Ele foi eleito para o Parlamento cinco vezes de 1980 até 2000, foi secretario do Conselho Supremo de Segurança Nacional por 16 anos, vice-presidente da Assembleia Nacional, e membro da Assembleia de Especialistas. Apesar disso, e de ser um confidente do supremo líder espiritual Ali Khamenei, Rouhani tem tentado se passar por um forasteiro.
E, na verdade, ele não é conhecido por ser um reformista, mas por ser mais da ala pragmática dos conservadores. Críticos do regime iraniano foram rápidos ao apontar o passado conservador e rígido do Rouhani, mencionando a sua liderança ao esmagar protestos estudantis em julho de 1999, e o discurso que ele fez em 2005 para o Supremo Conselho da Revolução Cultural, em que disse: “Enquanto nós falávamos com os europeus em Teerã, estávamos montando equipamentos em parte da instalação nuclear em Isfahan. Com a criação de um ambiente calmo, nós fomos capazes de completar o trabalho lá.”
Esse passado infeliz de Rouhani não quer dizer que não podemos, ou não devemos, falar com ele e o resto dos dirigentes iranianos. Somente devemos ficar de olhos bem abertos e não conceder demais antes de ter certeza que o Irã irá deixar um acesso mais amplo aos inspetores da Agência Internacional de Energia Nuclear, que não irá enriquecer urânio a mais de 20%, e que renuncia a qualquer desejo de construir uma bomba atômica.
E temos que não ser tão ingênuos em acreditar que agora temos um regime bonzinho em Teerã, somente porque Rouhani sorria muito e fala coisas legais na conta dele do Twitter. Com certeza ele é o oposto do ex-presidente Mahmoud Ahmadinejad, que gostava de zoar do Grande Satã dos EUA nos seus discursos na ONU, enquanto negava a existência do Holocausto. E o Rouhani também tem que enfrentar seus críticos ultraconservadores em casa, que não gostaram nem um pouco de ele ter falado com Obama por telefone. Mas foram as severas sanções econômicas contra o Irã, que já viu a venda do seu petróleo cair em 50% — sendo que esse item representa 80% da receita do governo —, que trouxeram essa mudança tão radical em liderança e tom do governo iraniano.
Dois grupos de aliados dos americanos no Oriente Médio estão muito infelizes com essa possível aproximação americana-iraniana: Israel e os países do Golfo. O primeiro-ministro israelense, Benjamin Netanyahu, fez um discurso na ONU esta semana em que pintou o regime iraniano como se fosse um bicho de sete cabeças, causando muitos comentários de que ele parecia um paranoico. Por outro lado, a Arábia Saudita se negou este ano a fazer um discurso na ONU porque a ONU não tem enfrentado a guerra civil sangrenta na Síria. Os israelenses e os sauditas se sentem excluídos e vulneráveis cada vez que surge uma oportunidade de diálogo construtivo entre os EUA e o Irã. Isso é uma pena, porque esses países deveriam ver os pontos positivos de uma cooperação entre o Irã e o Ocidente. Se os EUA reatarem relações diplomáticas com o Irã, isso poderia acabar com a insegurança de Israel, e talvez diminuir o apoio firme que o Irã dá ao regime de Bashar al-Assad.
Os iranianos vão se encontrar com os países do P5+1 (EUA, Grã-Bretanha, Rússia, China, França e Alemanha) em Genebra nos dias 15 e 16 de outubro, para falar sobre o programa nuclear iraniano. Os iranianos já estão pedindo que as sanções sejam levantadas, mas os países do P5+1 querem mais garantias de que o Irã não está enriquecendo urânio para armas nucleares. Mas, mesmo assim, uma abertura diplomática como esta é muito rara e o Ocidente deveria agarrar e ver até onde ela pode chegar. Devemos falar com nossos inimigos. Com certeza o Irã e os EUA não vão ser melhores amigos neste momento, mas podem muito bem assumir o papel de conhecidos que se respeitam e se falam.
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