O Presidente Mohamed Mursi, no centro, ladeado pelo Mohamed Hussein Tantawi e Sami Anan antes dele aposentar os dois. (Foto AP)
Essa é minha coluna que foi publicada no O Globo de 24/08/2012:
Rasheed Abou-Alsamh
Foi uma boa surpresa quando, no dia 12 de agosto, o presidente do Egito, Mohamed Mursi, anunciou que tinha demitido o todo-poderoso ministro da Defesa e chefe do Conselho Militar, o marechal de campo Mohamed Hussein Tantawi, e o chefe do Estado-Maior, Sami Anan. Um ataque de militantes islâmicos no Sinai, que matou 16 soldados egípcios no dia 5 de agosto, deu a brecha ao presidente para as demissões.
Após ser eleito em junho, Mursi se viu um presidente sem muitos poderes depois que o Conselho Supremo das Forças Armadas (SCAF na sigla em inglês) emitiu uma serie de decretos tirando poderes da presidência e se apropriando deles. Mas não levou muito tempo para Mursi reagir, emitindo um decreto presidencial convocando o Parlamento (dissolvido pela Corte Constitucional Suprema por supostos erros técnicos durante as eleições parlamentares) de volta para uma única sessão extraordinária.
Mursi não se contentou em tirar do poder somente Tantawi, de 76 anos, e Anan. Ele também trocou todos os chefes de cada ramo militar, e nomeou o general Abdul Fattah El-Sissi, de 57 anos, como seu novo ministro da Defesa. El-Sissi é conhecido por ser muito religioso, e simpatizante da Irmandade Muçulmana, do onde veio o presidente Mursi. Com isso, o presidente está entregando a responsabilidade do poder militar para uma geração mais jovem, que vai ficar agradecida a Mursi, assim lhe devendo proteção e apoio.
Mas há quem desconfie de Mursi, em particular, e da Irmandade Muçulmana, em geral, acreditando que poderes demais estão concentrados nas mãos do presidente. O país esta sem Parlamento, e ainda sem uma nova Constituição, que está sendo redigida. Um comitê constitucional está trabalhando na nova carta magna, que deve estar pronta para um referendo popular até outubro.
Escrevendo no site da revista americana “Foreign Policy”, Michael Wahid Hanna, um analista da Century Foundation, em Nova York, soa o alarme: Mursi já acumulou poderes demais, e o povo egípcio está mais uma vez se deixando levar pela possibilidade de uma vida melhor e, assim, vem depositando confiança excessiva nas palavras de alguém no qual não se pode confiar totalmente. Ele diz que foi a mesma coisa que aconteceu depois da derrubada do Hosni Mubarak em 2011, quando o povo egípcio confiou demais nos militares.
Mursi usou a força do apoio popular, evidenciado pela vitoria esmagadora dos candidatos da Irmandade e salafistas nas eleições parlamentares, para enfrentar os militares e tomar deles os poderes que eles haviam usurpado. Mas Hanna avisa que isso é muito perigoso porque nenhuma pessoa pode ter poderes em excesso, para não virar um ditador enquanto ela tem uma acumulação de poderes, e houver a ausência de qualquer poder, judicial ou legislativo, para balancear.
Muitos egípcios acreditam que Tantawi e os outros militares que foram aposentados deixaram o cenário tão docilmente e calados porque houve algum tipo de acordo secreto — com Mursi prometendo-lhes blindagem contra qualquer processo criminal no futuro. Sem essa proteção, seria possível que eles acabassem presos e processados por corrupção, tortura e a morte de manifestantes no ano passado.
Jon Alterman, do Centro para Estudos Estratégicos Internacionais, em Washington, acredita que também houve um amplo apoio dentro do serviço militar para a aposentadoria dos mais velhos.
O Egito enfrenta muitas questões ainda não resolvidas, como o teor da nova Constituição, e se ela vai proteger os direitos de liberdade de expressão, e se vai definir claramente o papel dos militares e os limites que eles vão ter na vida política e econômica do país. Os militares têm vastos interesses econômicos no país, que vão de uma cadeia de hotéis até fazendas de grande escala.
O governo Mursi já deu sinais assustadores de que o espaço para a liberdade de expressão vai continuar apertado, quando novos chefes de todos os jornais estatais foram nomeados recentemente e começaram a censurar colunas de escritores críticos da Irmandade Muçulmana. O governo até confiscou uma tiragem completa do jornal independente “Al-Dastour”, no dia 11 de agosto, por supostamente ter ofendido o presidente Mursi e alimentando sedição.
O teste agora vai ser como Mursi usa e não abusa de todos os seus poderes, e se vai saber balancear a necessidade de proteger os egípcios em casa e no exterior, e também respeitar direitos constitucionais para que egípcios realmente se sintam livres. Uma nova Constituição, aprovada pelo eleitorado, e um Parlamento funcional, com seus poderes restituídos, são itens essenciais. Somente assim a Revolução da Praça Tahrir, com todos seus mortos e feridos, poderá ter valido a pena.
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