Equipes de resgate numa area de Aleppo controlada pelos rebeldes carregam um corpo depois de um bombardeio no dia 11 de setembro, 2016. (Foto AFP)
Essa coluna foi publicada no O Globo de 16/09/2016:
Por Rasheed Abou-Alsamh
Há um impasse, porque os rebeldes não aceitam de jeito algum que Assad continue presidente, nem num período de transição
O cessar-fogo na guerra civil da Síria, acordado entre os EUA e a Rússia na semana passada, ainda está em vigor enquanto escrevo este artigo. Não se sabe por quanto tempo vai durar, com os russos alegando 60 casos de violação por parte dos rebeldes sírios.
Lá se vão cinco anos desde o início desta guerra terrível, em 2011, com mais de 400 mil mortos e milhões transformados em refugiados dentro e fora do país. O regime do presidente Bashar al-Assad usa bombas de barril incessantemente, jogadas de helicópteros contra áreas onde há civis, matando milhares. Também continua utilizando armas químicas contra sua própria população, apesar de, supostamente, ter entregado todos os seus estoques para a ONU ano passado. E agora, com o apoio dos russos, que usam seus jatos militares para bombardear os rebeldes quase todo dia, a vida dos sírios somente piora.
O problema com tudo isso é que o regime sírio, juntamente com russos e iranianos, sequestraram a narrativa da guerra, insistindo que se trata de uma luta entre as forças do bem — os soldados do governo representando uma Síria laica e moderada — e as do mal — representadas pelos rebeldes, que assadistas gostam de tachar de extremistas islamitas, que querem impor a sharia e decapitar todas as minorias religiosas no país. Se o mundo fosse tão maniqueísta, seria mais fácil, mas não é. Há muitos tons de cinza entre o bem e o mal, e a mesma escala existe entre os rebeldes. Há os mais radicais, como a frente al-Nusra, que foi ligada à al-Qaeda, e o Exército Sírio Livre, que quer um país livre, democrático, mas sem Assad. No entanto, num mundo dominado por manchetes sensacionalistas, infelizmente, ficou mais fácil no Ocidente acreditar nesta mentira propagada por assadistas, russos e iranianos.
Entre as táticas mais cruéis usadas nesta guerra está a política do regime de Assad de sitiar cidades inteiras, como Madaya e Aleppo, não deixando comida ou remédio algum entrar e ninguém sair. E não somente isso. Também bloqueiam o acesso de caminhões da ONU carregados de provisões para os sírios, que morrem de fome e doenças nestas cidades, apesar de terem aceitado a entrada de ajuda humanitária. Nesse jogo cínico do regime, somente os sírios sofrem, não apenas fisicamente, mas também psicologicamente.
Isso levou pelo menos seis adolescentes a se suicidarem em Madaya, com 40 mil habitantes, nos últimos dois meses. A cidade fica ao norte de Damasco e está sitiada há meses. “Não é pelo fato de ser criança que alguém não pode passar por situações de depressão e suicídio. É raro, mas pode acontecer. Em Madaya, por exemplo, há uma situação extrema, de cerco, com a população civil completamente desprotegida. As crianças também ficam totalmente angustiadas, veem o dia a dia desesperadas, e as poucas forças que ainda têm acabam sendo canalizadas para aliviar o sofrimento. Embora sendo meio paradoxal, nessas circunstâncias o suicídio acaba sendo um alívio. Pode soar forte, mas é isso o que, em geral, acontece,” disse o psiquiatra Mário Louzã, da Associação Brasileira de Psiquiatria, ao site de notícias R7.com.
Esta semana, o regime sírio não deixou 20 caminhões da ONU entrarem na parte oriental de Aleppo, apesar de o acordo de cessar-fogo dizer claramente que basta notificar o regime da ajuda que chega à cidade, afirmou o enviado especial da ONU à Síria, Staffan de Mistura. Ele insinuou que o regime sírio estaria violando o acordo se continuasse a bloquear a entrada de ajuda humanitária em Aleppo. A cidade está dividida entre a parte oriental, sob o controle dos rebeldes; e ocidental, do regime.
Estamos num impasse na Síria, porque os rebeldes não aceitam de jeito algum que Assad continue como presidente, nem durante um período de transição. Assad diz que não vai renunciar e tem o apoio da Rússia e do Irã. Os Estados Unidos têm prevaricado na Síria: o presidente Barack Obama prometeu, em 2012, agir com mais força na Síria se o regime usasse armas químicas contra sua população. Meses depois, isso aconteceu, e Obama não fez o que tinha prometido.
Compreendo a grande hesitação americana em se envolver com mais tropas na Síria. Depois da intervenção catastrófica no Iraque em 2003, Obama quer reduzir a possibilidade de mais mortes de soldados americanos no Oriente Médio. Mas esta hesitação americana abriu espaço para a intervenção russa na Síria, que só serve para prolongar a vida útil do regime de Damasco.
Enquanto nós prendemos nossa respiração na ânsia de o cessar-fogo vingar e durar o maior tempo possível, para dar um alivio tão necessário à população sitiada pela guerra, precisamos pensar numa solução permanente para o futuro do país. Com tanto sangue em suas mãos, Assad e seus fieis seguidores não têm um lugar no futuro da Síria. Mas nós não podemos continuar a destruir o país, matar e ferir seus cidadãos somente para derrubar Assad. As crianças sírias merecem um futuro melhor do que um país dividido em áreas separadas e constantemente em guerra, e que os leva a acreditar que o suicídio é a melhor saída para seus problemas horríveis.
Leia mais sobre esse assunto em http://oglobo.globo.com/opiniao/cessar-fogo-traz-esperanca-para-siria-20121543#ixzz4LUT8Fq66
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