O presidente turco Recep Tayyip Erdogan se encontra com o rei saudita Salman ibn Abdulaziz em Jedá no dia 23 de julho, 2017.
Esta coluna foi publicada no O Globo de 21/07/2017:
Por Rasheed Abou-Alsamh
Bloco saudita deixou de insistir no fechamento da Al Jazeera, que revolucionou o jornalismo no Oriente Médio
Os países árabes que se opõem ao Qatar — Arábia Saudita, Emirados Árabes, Bahrein e Egito — diminuíram esta semana o número de exigências em mais da metade. Agora, em vez de 13, a lista tem seis. A exigência original de que Doha feche a emissora Al Jazeera foi amenizada. Querem apenas que a linha editorial da TV seja moderada.
Mas continua valendo a exigência de que o Qatar diminua drasticamente seu apoio diplomático e financeiro a grupos considerados “extremistas” pelo bloco, como a Irmandade Muçulmana, no Egito, e rebeldes islamistas na Líbia. Esse parece ser o “X” da questão do embargo e rompimento diplomático com o Qatar desde 5 de junho. O bloco despreza a mistura de religião com política, como acontece com a Irmandade, vendo neste movimento uma ameaça à sua autoridade e permanência no poder.
Os Estados Unidos desde o início têm mandado sinais ambíguos aos protagonistas desta rixa. O presidente Donald Trump tem apoiado o bloco de oposição a Doha, escrevendo no Twitter que o Qatar deve parar de dar suporte a grupos extremistas. Na semana passada, numa entrevista a uma emissora cristã nos EUA, Trump disse que, se fosse necessário retirar a base militar americana do Qatar, há dez outros países prontos a construir e hospedar outra.
Por outro lado, seu secretário de Estado, Rex Tillerson, faz apelos para que os lados opostos se sentem à mesa e entrem num acordo. Voando por mais de uma semana no Golfo, indo de Doha para o Kuwait, para Jedá e de volta a Doha, Tillerson tem tido uma agenda agitada. Como ex-diretor-executivo da gigante de petróleo Exxon, se recusa a levar jornalistas americanos no avião oficial, ao contrário do seu antecessor John Kerry. E parece não acreditar em coletivas, continuando a relação tensa com a imprensa que o porta-voz da Casa Branca, Sean Spicer, instaurou com seus bate-bocas épicos com repórteres e a insistência em não permitir que algumas entrevistas sejam filmadas.
Com esse clima, tem sido necessário um pouco de exercício de adivinhação para concluir o que está acontecendo atrás das portas fechadas. Mas pelo menos o bloco saudita deixou de insistir no fechamento da Al Jazeera, que revolucionou o jornalismo no Oriente Médio com sua cobertura destemida. Antes de a emissora nascer, em 1996, a região era dominada por TVs estatais, que somente mostravam nos seus noticiários imagens dos seus líderes recebendo autoridades nos seus palácios, sem um pingo de crítica.
Mas este impasse, que não parece estar perto de acabar, está fazendo o Qatar sofrer mais do que o bloco saudita. Devido ao fechamento da fronteira terrestre com a Arábia Saudita, os qatarianos ficaram sem poder importar leite e outros alimentos que traziam do país vizinho. Com isso, têm comprado leite turco, importando-o por via aérea, a preço mais alto do que o do produto saudita. Acostumados com o sabor do leite saudita, os qatarianos não gostaram do similar turco. Como o ministro de Relações Exteriores do Qatar, Mohammed bin Abdulrahman Al Thani, admitiu num discurso em Londres, seu país só aguenta ter que importar alimentos mais caros por causa de sua imensa riqueza.
As verdadeiras vítimas de tudo isso têm sido os casais formados por cidadãos do Qatar e do bloco saudita. Quando as relações foram rompidas, a Arábia Saudita, os Emirados Árabes e o Bahrein deram duas semanas para seus cidadãos deixarem o Qatar e para qataris irem embora seus territórios. A medida separou muitas famílias. A ONG Human Rights Watch publicou um relatório sobre isso no dia 12 de julho, informando que pais tinham sido separados à força dos seus filhos, maridos de suas mulheres, e que parentes tinham sido impedidos de visitar pais doentes ou idosos. Os países do Golfo também ameaçaram cancelar os passaportes de seus cidadãos que insistissem em ficar no Qatar. Isso fez muitas pessoas ficarem escondidas no Qatar, com medo de serem punidas.
O bloco saudita teve uma vitória na Líbia no dia 6 de julho, quando as forças de Khalifa Haftar conseguiram retomar a cidade de Benghazi, que estava nas mãos de rebeldes islamistas. O Egito e os Emirados Árabes apoiam Haftar, e o Qatar apoiava os islamistas. Analistas acham que, com a preocupação do embargo, o Qatar deixou de apoiar os rebeldes, deixando uma brecha para o comandante militar líbio ter sucesso.
Outro ponto de atrito tem sido a base militar turca no Qatar. Inicialmente, o bloco exigiu o fechamento da unidade. “Nossos irmãos turcos precisam reconhecer que a era de intervenções secretas, e de algum modo indesejadas, no mundo árabe se foi há muito tempo,” disse Abdallah Al-Mouallimi, o embaixador saudita nas Nações Unidas, em Nova York, no dia 19 de julho.
O presidente turco, Recep Tayyip Erdogan, é um islamista, e apoia a Irmandade Muçulmana. Isso tem causado atrito com os países do Golfo, apesar de a Turquia manter ter ótimas relações econômicas e diplomáticas com eles.
Na guerra civil da Síria, as nações do Golfo se alinharam com a Turquia em seu apoio aos rebeldes sírios. Erdogan vai visitar os países do Golfo a partir de domingo. Segundo um analista, a Turquia teme que, se o Qatar se submeter às demandas do bloco saudita, ela própria seja a próxima a sofrer pressão por apoiar a Irmandade Muçulmana.
Com isso, a Turquia vai ter que se balançar numa linha tênue entre manter boas relações com os países do Golfo e, ao mesmo tempo, apoiar o Qatar. Não vai ser fácil.
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