Uma fila de sirios em Aleppo esperando para comprar pao. (Foto cortesia da Reuters)
Essa coluna foi publicada no O Globo de 07 de setembro, 2012
Rasheed Abou-Alsamh
São perturbadoras as notícias vindas da Síria, do Bahrein e da Arábia Saudita — ou pelo tamanho de sua barbaridade, ou pela aparente falta de justiça num sistema onde quase todo o poder está concentrado pelos governantes.
De Aleppo, na Síria, vi um vídeo na última semana de agosto de um ataque horroroso de um helicóptero da força área síria que jogou uma bomba em cima de uma fila de civis numa padaria, composta de homens, mulheres e crianças, esperando horas para comprar a mais nova fornada de pão quando saísse. Minutos depois de a bomba explodir, o vídeo mostrou poeira por todo lado e pessoas gritando por socorro, algumas com partes dos seus corpos arrancadas, outras com seus rostos cobertos por sangue. Os estilhaços da bomba voaram a velocidades altas, cortando tudo no caminho deles, seja humano ou não.
Será que essa barbaridade, de alvejar civis inocentes e indefesos com bombas jogadas de helicópteros, é a nova tática do regime brutal de Bashar al-Assad? A ONG Human Rights Watch acha que sim. Em relatório disse que tinha documentado o ataque pelo governo a pelo menos dez padarias em Aleppo, somente no mês de agosto. Um ataque no dia 16 de agosto matou até 60 pessoas e feriu mais de 70. Um outro ataque no dia 21 do mesmo mês matou pelo menos 23 pessoas e feriu 30.
Agosto foi o mês mais sangrento na guerra civil síria com 5 mil mortes, num conflito de quase 17 meses e que já matou 26 mil pessoas. O Brasil, como sempre, se limitou a repetir através do chanceler Antonio Patriota, em viagem oficial à Suécia, a mesma mensagem de cautela e não interferência — produto da alergia esquerdista do PT a ações militares americanas e europeias na região.
Mas é isso mesmo que o povo sírio precisa nesse momento mais de que nunca: uma zona de exclusão aérea sobre boa parte do país por aviões militares dos EUA e da Otan, como foi feito na Líbia. Que falta o ex-presidente francês Nicolas Sarkozy, a mente atrás da intervenção no ano passado na Líbia, faz nessas horas!
Pelo menos temos o novo presidente egípcio, Mohamed Mursi, dizendo que não há possibilidade de diálogo com o regime de Assad, e que ele deveria sair do poder antes que seja tarde demais. Espero que Mursi possa mudar a opinião da presidente Dilma Rousseff quando ele vier ao Brasil, em visita oficial no fim deste mês.
Do Bahrein, tivemos outra má notícia esta semana quando o ativista Abdulhadi al-Khawaja viu sua sentença de prisão perpétua confirmada por uma corte civil, depois de ser condenado por uma corte militar no ano passado por supostamente ter agido contra o regime dos Al-Khalifa. Mais 19 ativistas e figuras da oposição também tiveram suas sentenças mantidas. Uma das filhas do Abdulhadi, Zainab, que eu entrevistei no ano passado, continua presa por protestar contra o regime e está aguardando julgamento. Outra filha dele, Maryam, mora no exílio e continua na luta pela democracia.
Finalmente, em Riad, Arábia Saudita, começou no dia 1 de setembro o julgamento de dois ativistas pró-democracia, Abdullah al-Hamid e Mohammed al-Qahtani, acusados de incitar a população contra o governo. A estudante saudita-americana Nor Abdulkarim escreveu um excelente relato, em inglês, do primeiro dia do julgamento no site jadaliyya.com. Usando mensagens e fotos postadas por alguns dos 50 apoiadores dos ativistas no Twitter, que assistiram ao julgamento dentro da sala do tribunal, ela produziu uma rara visão por dentro de um julgamento saudita — geralmente, eles são fechados para o público.
Ambos ativistas deram declarações longas ao juiz. Qahtani se queixou das violações de direitos civis e humanos no país, da falta de liberdade, e da corrupção. “Nós temos que parar de levar nossa juventude para as chamas de guerras por procuração, e depois jogá-la em celas”, disse Qahtani, em clara referência aos muitos jovens sauditas seduzidos pela ideia de se tornar guerrilheiros no Afeganistão e no Iraque, que depois se voltam contra o governo saudita.
Abdulkarim relata que o juiz reagiu com indiferença, e até bocejou algumas vezes antes de interromper Qahtani e lhe perguntar: “Você está simplesmente divagando, ou isso faz parte de sua defesa?” Reportagem assim nunca poderia ser encontrada na mídia saudita, e mostra o alcance que a rede social tem no país. Não é por acaso que a Arábia Saudita tem o maior número de usuários do Twitter no Oriente Médio. Infelizmente, o juiz adiou a audiência e disse que não ia deixar o público assistir às próximas sessões.
O único raiozinho de luz que encontrei esta semana foi o filme “Wadjda”, da cineasta saudita Haifa al-Mansour, que está sendo exibido no Festival de Veneza, na Itália. A história é de uma garota de dez anos chamada Wadjda, que quer comprar uma bicicleta para pedalar, mas enfrenta as restrições deuma sociedade ultraconservadora e machista, que acha que meninas não deviam andar de bicicleta.
O filme já ganhou elogios de vários críticos, incluindo o jornal britânico “Daily Telegraph”, que amou. Mansour disse numa entrevista que ela prefere usar meios culturais para tentar relaxar o clima na Arábia Saudita e achar meios de promover maior tolerância para mulheres no país. O irônico aqui é que o reino não tem cinemas desde os anos 1980. Sauditas vão ter que assistir ao filme de Mansour em DVD ou em TV a cabo, quando for lançado na região.
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