Soldados do Exercito Livre Sírio vigiam um grupo de iranianos que capturaram em Damasco em agosto 2012.
Essa é minha coluna que foi publicado no O Globo de 20/09/2013:
Os EUA, Arábia Saudita, Qatar e Emirados Árabes precisam dar maior apoio financeiro, diplomático e militar ao Conselho Nacional Sírio, que é dominado por moderados
Rasheed Abou-Alsamh
O comentário do secretário de Estado americano, John Kerry, durante uma entrevista com a imprensa, de que a Síria poderia evitar um ataque militar americano simplesmente desistindo de todas suas armas químicas, foi o que provocou o adiamento do ataque americano à Síria e ganhou tempo precioso para o regime de Bashar al-Assad. Feito num tom de ironia, alguns especularam que Kerry já tinha proposto isto para seu colega russo, Serguei Lavrov. Não vamos saber os detalhes agora, mas a Rússia correu para fazer o gol a favor do Assad: Síria1 x EUA 0.
Muitas pessoas respiraram aliviadas com o fato de que se evitou mais uma intervenção militar americana no Oriente Médio, depois de tantas não tão bem-sucedidas, como no Iraque e Afeganistão. Assad prometeu acesso de inspetores da ONU ao seu arsenal de armas químicas, para serem averiguadas e destruídas. Esta semana, o governo sírio mandou uma comunicação oficial para a ONU: já tinha assinado o tratado global contra o uso de armas químicas. Essa noticia foi recebida pelos apaguazidores de Assad e da Rússia como uma maravilha que iria botar um fim à guerra civil de mais de dois anos e que já matou mais de 100.000 sírios, a maioria esmagadora por armamentos convencionais e não químicos.
O “Wall Street Journal” desta semana noticiou que a Síria espalhou suas armas químicas em 50 pontos do país. Isso vai dificultar em muito o trabalho dos inspetores. Com certeza o governo sírio não vai deixar os inspetores da ONU terem acesso às armas químicas tão facilmente assim. Vamos talvez ter uma repetição do ataque que inspetores da ONU sofreram semanas atrás quando estiveram investigando o uso de gás sarin, no dia 21 de agosto, no subúrbio de Ghouta, que deixou mais de 1.400 mortos. E ainda temos lembrança dos truques que Saddam Hussein usou no fim dos anos 1990 para atrapalhar o trabalho de inspetores internacionais que procuravam armas químicas no Iraque.
Mas é o envolvimento do Irã, no seu apoio maciço ao regime de Assad, fornecendo dinheiro, crédito, petróleo e ajuda militar, que deve preocupar aqueles que querem ver o povo sírio livre da ditadura sangrenta dos Assad.
Os laços entre os dois governos começaram nos anos 1980, quando a Síria foi o único país árabe a apoiar o Irã na sua guerra de oito anos contra o Iraque. Os aiatolás em Teerã nunca se esqueceram disso, e é por isso que o apoio iraniano ao regime do Assad continua, mesmo com o desgosto da população iraniana em ver as forças de Assad usar gás letal contra seu próprio povo, um sofrimento que os iranianos viveram na própria pele quando as tropas do Saddam usaram armas químicas contra eles.
A eleição do novo presidente iraniano, Hassan Rouhani, tem dado ânimo aos que acham que isso significa uma nova página na história conturbada das relações entre Irã e Ocidente, que andam abaladas por causa do programa nuclear iraniano. Os iranianos mantêm que o uso de energia nuclear é somente para produzir energia elétrica, enquanto os EUA e países europeus acham que o Irã ambiciona ter armas nucleares.
Os otimistas pularam de alegria quando Rouhani desejou feliz ano novo aos judeus pela rede social, celebrando a diferença com que seu antecessor, o ríspido Mahmoud Ahmadinajad, tratava os judeus. Ele sustentava a tese de que o Holocausto nunca tinha acontecido. E, agora, um ex-negociador de assuntos nucleares americano, Robert Einhorn, disse em uma entrevista para o site Al-Monitor que um resultado positivo na crise de armas químicas na Síria poderia ter implicações muito positivas na questão nuclear do Irã — e até poderia fazer as coisas mais fáceis para a administração de Barack Obama em concessões a Teerã. Mas ele também notou que se “os sírios no fim mostram má-fé....(ou) os russos se mostram incapazes de entregar resultados em três a quatro meses no plano de desarmamento químico, as implicações para um acordo nuclear com o Irã seriam muito negativas”.
É um grande erro vincular avanços nas negociações nucleares com o Irã ao desfecho das armas químicas sírias. Os iranianos estão tentando ligar as duas coisas para salvar a pele do regime Assad. Os EUA e os países árabes do Golfo sabem que os sírios merecem muito mais do que Bashar, que foi capaz de mandar matar milhares dos seus compatriotas.
Essa falsa dualidade maniqueísta, de Assad ser um líder secular que protege as minorias xiitas e cristãs, e os rebeldes sírios serem maus sunitas por alegadamente serem dominados por extremistas ligados à Al-Qaeda, precisa ser quebrada.
Os EUA, Arábia Saudita, Qatar e Emirados Árabes tem que dar maior apoio financeiro, diplomático e militar ao Conselho Nacional Sírio, que é dominado por moderados. Se afastando dos extremistas, que formam no máximo 20% dos rebeldes, os americanos e países do Golfo estarão dando ao povo sírio uma oportunidade de viver num país democrático e moderado, sem os sanguessugas dos Assad e seus aliados, e com as minorias religiosas, incluindo os alauítas, protegidas.
A Rússia e o Irã, que nunca foram grandes exemplos de tolerância, estão tentando sequestrar o debate sobre a Síria. Não podemos deixar isso continuar.
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