Refugiados rohingya pegam comida jogado pelo exercito da Tailandia perto da ilha de Koh Lipe no mar de Andaman no dia 14 de maio, 2015. (Foto AFP)
Prêmio Nobel da Paz, Aung San Suu Kyi se cala diante do direito de os rohingyas viverem no país da mesma forma que outros cidadãos
Por Rasheed Abou-Alsamh
As cenas, no mês passado, de centenas de refugiados empilhados em pequenos barcos de madeira no Mar de Andaman após fugir de uma perseguição sangrenta em Mianmar, foram assustadoras e de cortar o coração de qualquer pessoa. Emagrecidos depois de ficar à deriva no mar por meses com pouca comida e rejeitados por todos os países vizinhos, os rohingyas, que são muçulmanos, pareciam esqueletos.
O apuro dos rohingyas, que já dura décadas, é bem conhecido por qualquer pessoa que acompanha os acontecimentos em Mianmar. Descendentes de imigrantes de Bangladesh, país vizinho, eles sempre foram discriminados pela severa junta militar que governou o país desde os anos 1960 até recentemente. Em 2010, alguns generais trocaram seus uniformes por trajes civis, se aposentando dos seus cargos militares, para serem candidatos ao novo Parlamento, que já tinha 25% de suas cadeiras reservadas para militares. Esse amolecimento da linha dura dos militares deu esperança aos líderes democratas do país, como a ganhadora do Prêmio Nobel da Paz Aung San Suu Kyi, que sempre quis ser eleita presidente do país. O sofrimento dela — que teve que sobreviver em prisão domiciliar na capital Rangoon por 15 anos, entre 1989 e 2010, enquanto seu marido inglês morria na Inglaterra de câncer e ela ficava sem poder vê-lo e os dois filhos que teve com ele — foi mostrado no filme hollywoodiano, de 2011, sobre sua vida, “Além da liberdade_.”_
Mas cadê esta mulher forte, honesta e conceituada, que não cede por nada deste mundo quando luta pela liberdade e democracia, mas quando se fala dos rohingyas fica calada? Infelizmente, ela se mostrou uma completa covarde e sem-vergonha, recusando-se a defender o direito de eles morarem em Mianmar em paz e com as mesmas prerrogativas dos outros cidadãos. A razão disso é bem clara: ela está de olho nas eleições gerais marcadas para outubro. Espera que o seu partido, a Liga Nacional para a Democracia, ganhe o número suficiente de cadeiras no Parlamento para ela ser indicada líder do país. Mas os generais estão irredutíveis em não deixá-la ser presidente, insistindo que a Constituição não permite a um cidadão casado com um estrangeiro ocupar o cargo. Não deve importar para eles que seu marido já morreu, mas o fato de os seus dois filhos serem cidadãos britânicos não deve ajudar no julgamento final.
A maioria da população de Mianmar é budista, com católicos, hindus e muçulmanos formando minorias. Essa imagem que temos de os monges budistas serem altamente evoluídos, pacíficos e espiritualizados, infelizmente, é falha e esconde uma forte corrente nacionalista e xenófoba, que foi suprimida pela ditadura militar. O afrouxamento da repressão deixou os piores elementos racistas na comunidade budista aflorarem e se manifestarem em discursos inflamados de ódio, incitando as massas dos fiéis a motins violentos em 2012 no estado de Rakhine, onde atacaram vilarejos dos rohingyas. Aldeias muçulmanas inteiras foram queimadas até o chão, e mulheres, crianças e velhos foram espancados, espetados e mortos a tiros. Estima-se que 650 rohingyas foram assassinados, 1.200 desapareceram e 140 mil foram deslocados. Isso levou o governo a declarar lei marcial no estado e enviar tropas militares para criar campos de internamento para os refugiados, onde os muçulmanos foram forçados a ficar. Estima-se que 1,1 milhão de rohingyas vivam em estado deplorável em Rakhine.
Com toda essa pobreza, miséria e violência, não é surpreendente que os rohingyas estejam fugindo em massa para procurar abrigo e uma vida melhor em outros lugares do mundo. Em Jidá, na Arábia Saudita, há uma grande comunidade deles que está lá há décadas. Mas a maioria dos países vizinhos de Mianmar tem sido muito relutante a aceitar esses refugiados, o que causou esta catástrofe humanitária em que sete mil deles ficaram à deriva no mar em barcos pequenos sem saber onde seriam acolhidos. A grande exposição do drama na mídia forçou a Malásia, a Tailândia e a Indonésia a darem refúgio temporário de até um ano para eles. O Qatar doou US$ 50 milhões para custear a estadia dos rohingyas na Indonésia, e o rei saudita Salman prometeu ajuda financeira para a Malásia criar um fundo humanitário para os refugiados.
E o que Aung San Suu Kyi disse quando perguntada sobre isso? Em 2012 ela afirmou que “não sabia” se os rohingyas podiam ser cidadãos, ecoando a política do governo de negar a existência desse grupo. Até hoje, o governo de Mianmar se recusa a usar o termo rohingya. Mais recentemente, Aung San Suu Kyi disse que não podia defender os direitos humanos, porque, se fizesse, os rohingyas iriam sofrer.
O governo de Mianmar e Aung San Suu Kyi deveriam sentir muita vergonha de negar a cidadania aos rohingyas e deixar os extremistas budistas perseguirem essa minoria muçulmana. Afinal, se Aung San Suu Kyi quer viver numa democracia plena, vai ter que ser para todo mundo, independentemente de sua religião ou origem étnica. Isso é tão básico que não sei como ela pode permanecer de boca calada frente a tanta violência e ficar com o seu Prêmio Nobel.
http://oglobo.globo.com/opiniao/a-vergonha-de-mianmar-16421534#ixzz3eU0dVU14
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